segunda-feira, 17 de novembro de 2014

CRISTINA COSTA. SOCIOLOGIA: INTRODUÇÃO À CIENCIA DA SOCIEDADE. ED. MODERNA. SP. 2009.

CRISTINA COSTA.
SOCIOLOGIA: INTRODUÇÃO À CIENCIA DA SOCIEDADE. ED. MODERNA. SP.

INTRODUÇÃO


O conhecimento como característica da humanidade. Nas várias espécies animais existentes sobre a Terra encontramos formas de relacionamento que nos fazem pensar na existência de regularidades que ordenam sua vida comunitária. Percebemos facilmente que os diversos animais se agrupam, convivem, se acasalam, sobrevivem e se reproduzem de forma mais ou menos ordenada, em função de sua potencialidade e do ambiente em que vivem.
A preservação da espécie e seu aprimoramento parecem ser, como afirmou Darwin na sua teoria sobre a Evolução das espécies, o objetivo das suas formas de vida, convivência e sociabilidade. Assim, os animais desenvolvem estilos próprios de vida que lhes permitem a reprodução e a sobrevivência. Estabelecem para isso modelos de vida complexos, com sistemas de acasalamento, alojamento, migração, defesa e alimentação.
O homem, como uma dentre as várias espécies existentes, também desenvolveu processos de convivência, reprodução, acasalamento e defesa. Desse modo apresenta uma série de atividades “instintivas”, isto é, ações e reações que se desenvolvem de forma mecânica, dispensando o aprendizado, como respirar, engatinhar, sentir fome, medo, frio. Além disso, porém, quer por dificuldades impostas pelo ambiente, quer por particularidades da própria espécie, o homem também desenvolveu habilidades que dependem de aprendizado. Assim, as crianças aprendem a comer, beber e dormir em horários regulares, aprendem a brincar e a obedecer; mais tarde, aprenderão a trabalhar, comerciar, administrar, governar.
O homem, portanto, se distingue das demais espécies existentes porque nem todo seu comportamento se desenvolve automaticamente em sua relação com a natureza, nem se transmite à sua descendência pelos genes. Ele é o único animal que necessita de aprendizado para adquirir diferenciadas formas de comportamento.
Muitas lendas e mitos relatam a história de heróis que, mesmo crescendo no isolamento, tornaram-se humanos — Rômulo e Remo, Tarzan, Mogli — e apresentaram comportamentos compatíveis com o resto da humanidade. Entretanto, para se tornar humano, o homem tem de aprender com seus semelhantes uma série de atitudes que lhe seriam impossíveis desenvolver no isolamento. Já entre os demais animais, se separarmos uma cria de seu grupo de origem, ela apresentará, com o tempo, as mesmas capacidades e atitudes de seus semelhantes, pois essas decorrem sobretudo de características genéticas.
O cineasta alemão Werner Herzog trata justamente desse tema em seu filme O enigma de Kaspar Hauser, de 1976. Ele mostra como um homem criado longe de outros seres de sua espécie é incapaz de se humanizar, revelando apenas características genéticas instintivas e animais.
Portanto, para que um bebê humano se transforme em um homem propriamente dito, capaz de agir, viver e se reproduzir como tal, é necessário um longo aprendizado, pelo qual as antigas gerações transmitem às mais novas suas experiências e conhecimentos. Essa característica, essencialmente humana, só se tornou possível porque o homem tem a capacidade de criar sistemas de símbolos, como a linguagem, por meio dos quais dá significado às suas experiências vividas e as transmite a seus semelhantes.
As capacidades próprias dos animais se desenvolvem de maneira predominantemente ins-tintiva e se transmitem aos descendentes pela carga genética. O homem, por sua vez, deve transmitir suas experiências e interpretações da realidade por uma série ordenada de símbolos.
Por isso, dizemos que o Homo sapiens é a única espécie que pensa, isto é, que é capaz de transformar a sua experiência vivida em um discurso com significado e transmiti-la aos demais seres de sua espécie e a seus descendentes. É o único capaz de imaginar ações e reações sob forma simbólica, isto é, mesmo na ausência de estímulos concretos que provoquem medo, alegria, fome ou rancor, ele pode reviver essas situações que o estimularam. Além disso, é o único a diferenciar as experiências no tempo e, em conseqüência, a projetar ações futuras.
O homem, portanto, é capaz de recriar situações e emoções, é capaz de simbolizar, de atribuir significados às coisas, de separar, agrupar, classificar o mundo que o cerca segundo determinadas características. Dessa habilidade provém a capacidade de projeção, a idéia de tempo e o esforço em preparar o futuro, características que permitem o desenvolvimento da ciência. Esse é o centro de sua capacidade simbólica e de sua humanidade.
Ao pensar, ao ser capaz de projetar, de ordenar, prever e interpretar, o homem, sempre vivendo em grupos, começou a travar com o mundo ao seu redor uma relação dotada de significado, de avaliação. Seu conhecimento do mundo — organizado, comunicado e compartilhado com seus semelhantes e transmitido à descendência — se transformou em cultura humana propriamente dita. Essa elaboração simbólica da experiência fez com que os homens recriassem o mundo segundo suas necessidades e pontos de vista, traduzindo-o sob a forma de informação ou conhecimento. A partir dessa conquista, do desenvolvimento dessa capacidade genuinamente humana de representar e transformar o ambiente natural, cada grupo, compartilhando experiências comuns adaptadas ao seu modo próprio de vida, criou formas próprias de sociabilidade. É por isso que encontramos formas de existência, crenças e pensamento tão diversas. Porque elas não são apenas conseqüências de uma estrutura genética da espécie, mas da criação de formas de ação e reação decorrentes da experiência particular vivenciada por um grupo de homens.
Uma vez que cada cultura tem suas próprias raízes, seus próprios significados e características, todas elas são qualitativamente comparáveis. Enquanto culturas, todas são igualmente simbólicas, fruto da capacidade criadora do homem e adaptadas a uma vida comum em determinado espaço e tempo nesse contínuo recriar, compartilhar e transmitir a experiência vivida e aprendida.

As culturas humanas como processos
Foi dessa capacidade de pensar o mundo, de atribuir significado à realidade, que o homem criou o conhecimento. Desde os primeiros vestígios arqueológicos do homem sobre a Terra, percebemos que os problemas por ele enfrentados — de sobrevivência, defesa e perpetuação da espécie — lhe apareceram como obstáculos, para os quais buscou explicações sobre si mesmo e sobre o mundo em que vive.
Os mais antigos “cemitérios” humanos, onde se encontram ossadas dispostas numa certa posição acompanhadas de alguns objetos, mostram que mesmo o ato de enterrar os mortos respondia a questões relativas à vida e à morte e implicava uma escolha da “melhor forma” de ação. Aceita pelo grupo, essa “melhor forma” tende a se repetir, transformando-se em ritual — uma ação revivida em grupo e explicada em função da resposta coletiva dada ao “para que” e ao “por que” da existência humana.
Podendo escolher, julgar, pensar sobre situações passadas e futuras, o homem passou da simples experiência imediata a explicações que lhe garantiam o conhecimento de si e do mundo à sua volta, formulando justificativas para fatos, atitudes e comportamentos. A partir do desenvolvimento dessa capacidade simbólica e da linguagem, a ação humana passou a ser intermediada pela atribuição de significados, interpretações estabelecidas e partilhadas entre os grupos humanos. Essas interpretações, a que chamamos conhecimento, criaram soluções para necessidades concretas de vida e sobrevivência e se mantiveram sempre operantes enquanto foram adequadas a tais necessidades. Quando os homens enfrentaram novos obstáculos, surgiram novas relações, tidas como mais adequadas, mais úteis às dificuldades enfrentadas. Assim, se por um lado as culturas humanas tendem à ritualização e à repetição, amparadas na tradição e no aprendizado, por outro elas representam a possibilidade de mudança e adaptação. A própria reprodução das formas de vida existentes acarreta novas necessidades, que o homem procurará satisfazer transformando o modelo existente. Podemos então conceber as diferentes culturas como essencialmente dinâmicas, desenvolvendo mecanismos de conservação e mudança num permanente ajuste.
Essa idéia da relação existente entre as culturas humanas e as condições de vida de cada agrupamento humano nos mostra que as diferenças entre as culturas não são de qualidade nem de nível: devem-se às circunstâncias que as cercam. Durante muito tempo se pensou que culturas de sociedades iletradas ou ágrafas eram menos complexas ou menos elaboradas do que as de sociedades em que se havia desenvolvido a escrita. Hoje se sabe que os conhecimentos passados pela tradição oral, por meio de contadores de história, são de complexidade e profundidade comparáveis àqueles veiculados pela escrita. Se certas sociedades não criaram o alfabeto e a linguagem gráfica, é porque o modo de vida de tais indivíduos não lhes despertou tal necessidade, não porque sua capacidade mental fosse “inferior”. A capacidade simbólica e os padrões de todas as culturas humanas são igualmente abstratos, significativos e dão respostas úteis aos problemas de compreensão do mundo.

A ciência como ramo do conhecimento
Durante séculos, o homem pensou sobre si mesmo e sobre o mundo, adquiriu conhecimentos, estabeleceu interpretações ajustadas à vida cotidiana. Entretanto, o tipo de problema que o levava a isso mudou sensivelmente conforme as culturas e o passar dos séculos. Vejamos como isso se deu na história da civilização ocidental.
Sabe-se hoje que os egípcios tinham grandes conhecimentos de geometria — palavra de origem grega que quer dizer “medição da Terra”. Tais conhecimentos foram elaborados a partir da necessidade social de prever o transbordamento do Rio Nilo e restabelecer fronteiras territoriais que essas inundações extinguiam. Com uma corda dividida em treze partes por meio de nós e dois homens que a manuseavam, conseguiram criar as mais diferentes formas geométricas, capazes de resolver seus problemas de medição territorial. O conhecimento adquirido com o auxílio dessa técnica foi aplicado, depois, com grande êxito, às construções arquitetônicas, tornando-se mais tarde a base do pensamento geométrico pitagórico. Entretanto, para os egípcios, esse saber não estava dissociado de outras questões fundamentais de sua cultura, como a vida após a morte, os deuses e a hierarquia entre os homens.
Foram os gregos que conceberam a idéia do saber como um fim em si mesmo, como atividade destinada a descobertas desligadas de uma finalidade prática imediata ou à solução de questões metafísicas. Menos preocupados com a religião e a vida após a morte, os gregos foram os precursores da elaboração de uma forma de pensar à qual se deu o nome de ciência, uma atividade com objetivos próprios.

O milagre grego — o espírito especulativo
Enquanto os povos antigos só se interessavam pelo mundo em que viviam como uma janela para entender todo o universo, os gregos criaram as diversas disciplinas e a filosofia. As disciplinas, ou conhecimentos específicos como a geometria, a aritmética, a astronomia, foram um passo decisivo na busca da compreensão dos princípios que movem o mundo e as coisas. Já se tratava de uma ruptura profunda com o mundo mítico, onde as explicações ocorriam pela intervenção dos deuses ou das forças sobrenaturais. As disciplinas, por meio da sistematização e da organização do estudo de um objeto, procuram desvendar, pela razão, a causa primeira da sua formação, longe da ação dos deuses. Os egípcios elaboraram princípios de biologia e química porque acreditavam na ressurreição e queriam conservar os cadáveres: os gregos afirmaram que tais conhecimentos não eram domínio da religião, mas da medicina. Assim, se dedicaram à habilidade de desenvolver o conhecimento como uma atividade abstrata, desligada de sua aplicabilidade imediata ou de uma finalidade religiosa. Deram às idéias sobre o que se deve ou não se deve fazer o nome de ética, ramo da filosofia que estabelece os critérios de virtude, os valores de bem e mal do comportamento humano, fundamentando os padrões morais da sociedade. Se os povos antigos justificavam sua maneira de agir em função do que os deuses queriam, para os gregos isso fazia parte e era resultado da intenção pura e simples de pensar sobre os fatos. Isso não significa que a geometria ou a medicina grega fosse mais desenvolvida do que a egípcia, mas que, a partir de então, o homem desvinculara sua curiosidade pelo mundo das preocupações meramente práticas e passara a tratá-la como uma “atividade do espírito”, importante em si mesma e, para muitos, a mais elevada dentre todas.
A filosofia, o “amor pelo conhecimento” surgia como a sistematização das informações adquiridas pelas diversas disciplinas organizadas de modo a explicar o mundo e a sua relação com o homem. Assim, surgia uma nova maneira de pensar “o porquê” e o “para que” das coisas. Surgiu um saber mais desligado das atividades religiosas, ao qual se dedicavam homens não necessariamente responsáveis pelos cultos religiosos. Surgiram os sábios, homens cuja atividade era desvendar os segredos do mundo e do universo.
Deu-se o nome de milagre grego a este salto do conhecimento humano sobre si e a natureza, em que se abandonou a explicação mítica e o princípio da interferência das forças sobrenaturais nos destinos do homem, para dirigir-se à obtenção do saber por meio da abstração dirigida pela razão. A idéia de milagre vem da força da revolução que a filosofia grega causou sobre o homem da época e das gerações posteriores. O impacto foi tão profundo que acabou encobrindo o longo processo de construção desse novo saber.
A expansão comercial e colonizadora do período arcaico pôs o homem grego em contato com outras culturas; o estabelecimento da escravidão como base da produção das riquezas e da sobrevivência acabou liberando a abastada classe comerciante da necessidade de ter de trabalhar, dando-lhe muito tempo ocioso; o surgimento da moeda organizou a economia; a criação da escrita e das leis ordenou os direitos da comunidade e do cidadão; a consolidação da polis (cidade) rompeu o estrito círculo familiar e a rígida e hierárquica estrutura da sociedade agrícola, provocando o conflito de interesses; todos esses foram fatores decisivos para o desenvolvimento do povo grego.
Em todos esses momentos de transformação social e econômica, o pensamento racional era cada vez mais exigido para anteceder a ação. A consciência individual crescia à medida que o homem grego constatava que o destino é uma construção humana e não obra dos deuses e dos rituais míticos. Crescia nele a percepção de que era um indivíduo dotado de razão e capaz de realizar ações próprias. Este conhecimento de si e do outro rompe a anterior estrutura mítica da sociedade agrícola em que vivia, onde o homem se condicionava a agir e pensar conforme os ensinamentos que se acreditava terem sido transmitidos pelos deuses aos ancestrais e que permaneceram inalterados por séculos, enquanto as sociedades se reproduziam sem alteração. Esse destino predeterminado era imposto pela própria sociedade que, por meio dos rituais, condicionava o indivíduo a seguir as normas existentes e a garantir, assim, sua sobrevivência. A consciência era uma consciência coletiva, única; desobedecer-lhe seria falta gravíssima, que implicaria a punição não apenas de quem rompeu as regras, mas de toda a comunidade, uma vez que não se concebia o indivíduo fora da coletividade. O fim desse processo é o abandono da estrutura mítica para a explicação do mundo e a procura de explicações científicas e filosóficas para os fenômenos humanos, antes considerados propriedade exclusiva de forças transcendentais.

A razão a serviço do indivíduo e da sociedade
Enquanto a sociedade comercial e manufatureira desenvolvida pelos gregos perdurou através do Império Romano, a razão esteve a serviço do homem e da sociedade. Porém, após a queda do Império, quando a Europa retorna à estrutura de uma sociedade agrária e teocrática, que submete a razão e a filosofia à teologia, a razão deixa de ser a melhor forma de explicação do mundo. Durante a Idade Média, período de grande poder da Igreja Católica, a razão passou a ser considerada um instrumento auxiliar da fé. A Igreja Católica usava a razão (inicialmente pelos ensinamentos de Platão, depois com os ensinamentos de Aristóteles) como forma de manter seu poder e divulgar a fé. A fé ou a crença, como nas sociedades agrícolas míticas, passaram novamente a condicionar o comportamento humano e a sociedade, e a explicá-los. Apenas as ordens religiosas, isoladas nos mosteiros, tinham acesso a textos de filosofia, geometria e astronomia. A população laica deixou de participar desse saber.
No Renascimento, entretanto, o homem volta aos textos antigos e redescobre o prazer de investigar o mundo, descobrir as leis de sua organização como atividade com valor em si mesma, independente de suas implicações religiosas e metafísicas. Nos últimos quatrocentos anos, e em particular a partir do século XVII, vimos assistindo ao crescente progresso desse conhecimento — a ciência — destinado à descoberta das relações entre as coisas, das leis que regem o mundo natural, organizando as idéias e interpretações do ponto de vista lógico-científico. Aprimoraram-se as técnicas e os utensílios de medição, e a imprensa e os demais meios de comunicação levaram a uma transmissão cada vez maior de informações e de saber. No seio desse movimento de idéias, surgiu no século XIX uma ciência nova — a sociologia, a ciência da sociedade. O surgimento da sociologia significou o aparecimento da preocupação do homem com o seu mundo e a sua vida em grupo, numa nova perspectiva, livre das tradições morais e religiosas.
Desencadeou-se então a preocupação com as regras que organizavam a vida social. Regras que pudessem ser observadas, medidas e comprovadas, capazes de dar ao homem explicações plausíveis, num mundo onde passou a imperar o racionalismo, isto é, a crença no poder da razão humana de alcançar a verdade. Regras, enfim, que tornassem possível prever e controlar os fenômenos sociais.
Portanto, o aparecimento da sociologia significou que as questões concernentes às relações entre os homens deixaram de ser apenas matéria religiosa e do senso comum: passaram a interessar também aos cientistas. A constituição desse campo do conhecimento significou, antes de mais nada, que as relações entre os homens mereciam ser conhecidas e formuladas por uma nova forma de linguagem e discurso — o científico —, o qual, na sociedade moderna, adquiriu o estatuto de “verdade”.
A partir de então o homem começou a elaborar métodos e instrumentos de análise capazes de explicar e interpretar sua experiência social de maneira científica. Isso eqüivaleu a criar, como nas demais ciências, métodos de averiguação e medição e a fazer formulações sobre a sociedade que pudessem ser comprovadas empiricamente — isto é, pela observação e experimentação —, de modo a tornar a ação social humana explicável em termos de regularidades e previsões.
O pensamento relativo às ligações do homem com seus semelhantes passava assim a outra esfera de abstração, a outra maneira de formular problemas, ligada à necessidade de descobrir leis de interpretação e previsão dos acontecimentos.
A sociologia: um conhecimento de todos
Desde o século XIX, quando a sociologia foi criada ou reconhecida como campo de conhecimento explorável pelo procedimento científico, até a atualidade, inúmeros estudos se desenvolveram. Como nas demais ciências, estabeleceu-se uma comunicação permanente entre pesquisadores, permitindo um acúmulo de princípios e informações de modo a submeter as teorias a comprovação, questionamento, revisão.
Criou-se também um jargão científico, isto é, um vocabulário próprio com conceitos que designam aspectos precisos da vida social. De tal forma se alastraram os resultados das pesquisas sociológicas que, hoje, boa parte desse vocabulário faz parte da vida cotidiana. Palavras e expressões como contexto social, movimentos sociais, classes, estratos, camadas, conflito social, são usadas no dia-a-dia das pessoas e profusamente veiculadas pelos meios de comunicação de massa.
Nos discursos políticos, referências às “classes dominantes”, às “pressões sociais” emergem como se fossem de domínio público, como se todos, políticos e eleitores, soubessem exatamente o que elas designam.
As pesquisas de opinião de qualquer tipo veiculam os resultados de procedimentos metodológicos amplamente usados nas pesquisas científicas, e os leitores percebem de maneira mais ou menos geral seu significado. Quando se diz que um governante conta com o apoio de 60% da população de uma cidade, por exemplo, as pessoas entendem que um grupo de pesquisadores empreendeu uma pesquisa que argüiu um número delimitado de cidadãos a respeito da gestão desse governante e que esses cidadãos expressaram sua opinião. Compreendem que, de cada 100 pessoas argüidas, 60 manifestaram-se favoráveis às medidas tomadas pelo governante.
E, quando se diz, após algum tempo, que a popularidade desse governante cresceu 10%, sabemos que nova pesquisa foi feita nos mesmos moldes da anterior e, de cada 100 cidadãos, agora são 70 que se mostraram favoráveis à atuação governamental.
Esse simples raciocínio, utilizado não só nas pesquisas de caráter político mas em quaisquer outras que pretendem verificar a adesão das pessoas a certas idéias — ou a freqüência a espetáculos, ou o número de espectadores de um programa de televisão —, decorre da aceitação generalizada dos conhecimentos básicos da sociologia.
Isso ocorre porque foi possível constatar e verificar uma regularidade nos fatos sociais. Essa regularidade responde às leis da vida social e essas leis científicas são passíveis de serem observadas e apreendidas. Disso resulta que é também possível prever (o que é diferente de adivinhar) com certa margem de acerto os possíveis eventos futuros de uma determinada sociedade. Abre-se, então, a possibilidade de se poder intervir conscientemente nos processos, tanto para reforçá-los como para negá-los, dependendo dos interesses em jogo.
Queremos deixar claro que o leitor de uma pesquisa de opinião, mesmo desconhecendo a sua metodologia, sabe que existem meios mais ou menos eficazes de se desvendar o comportamento, o gosto e a opinião de uma população pela investigação de uma amostra, isto é, de uma parte escolhida dessa população. O leitor intui a existência de uma regularidade nesses comportamentos e opiniões; reconhece que, por trás da diversidade entre as pessoas, existe certa padronização nas suas formas de agir e pensar, de acordo com o sexo, a idade, a nacionalidade etc.
Quando lemos em uma notícia ou artigo que Maria, 35 anos, casada, dona-de-casa, brasileira, votará em determinado candidato, não estamos tomando conhecimento apenas da opinião de uma pessoa isolada, mas do grupo de pessoas do qual Maria é o protótipo: o das mulheres de idade mediana, donas-de-casa, casadas e brasileiras.
Portanto, os conhecimentos de sociologia hoje já não estão restritos ao uso dos cientistas sociais. Eles fazem parte de um modo de perceber e interpretar os acontecimentos formado pela disseminação dos procedimentos e técnicas de pesquisa social.
Hoje manifesta-se confiança nessa forma de conhecer a realidade, do mesmo modo como se confia em um termômetro para constatar a temperatura do corpo.
Mesmo que o público desconheça todos os procedimentos de amostragem e de levantamento de dados, assim como pode desconhecer a técnica utilizada na fabricação de um termômetro, já confia nas informações das pesquisas, o que demonstra a utilidade e a popularidade da sociologia. Hoje é mais freqüente comprovar uma afirmação qualquer por meio de dados de pesquisa do que pela mera importância conferida à pessoa que a declara. Houve tempo em que o prestígio e a autoridade pessoais bastavam para assegurar a credibilidade do público. Hoje se requer comprovação. Atualmente, quando se diz, por exemplo, que “os brasileiros são contra a pena de morte”, logo se questiona sobre as bases em que se assenta tal afirmação. Muito mais convincente, nesse caso, é uma manchete de jornal que diga: “75% dos brasileiros são contra a pena de morte”.

A utilidade da sociologia nos diversos campos da atividade humana
Assim como o leitor, o ouvinte e o espectador de televisão sabem que existem técnicas relativamente eficazes para entender o comportamento social, profissionais das mais diversas áreas também não ignoram a utilidade da sociologia.
Para empreender uma campanha publicitária, para lançar um produto ou um candidato político, para abrir uma loja ou construir um prédio, os profissionais especializados — o engenheiro, o agrônomo, o comerciante — procuram dados sobre o comportamento da população.
Não se constróem mais prédios ou casas sem levar em consideração o comprador, suas condições, valores, idéias, tudo aquilo que o faz optar por uma ou outra moradia. Pode ser o lugar, o aspecto, o preço ou, muito freqüentemente, a soma de tudo isso.
Todos os passos importantes na comercialização de um produto, desde sua criação até sua campanha publicitária e distribuição, repousam em pesquisas de opinião e comportamento. Procura-se saber quem compra determinado produto, os hábitos desse comprador, sua faixa salarial, quanto do orçamento doméstico ele está disposto a dedicar a esse bem, e assim por diante.
Quando um fabricante quer lançar um novo tipo de margarina, por exemplo, efetua uma série de pesquisas para determinar qual é o comprador típico de margarina e o que é mais importante para ele. Procura averiguar como competir com os produtos assemelhados já existentes. Inúmeros fatores podem levar o consumidor a uma escolha entre produtos equivalentes: o preço, a qualidade, a embalagem, entre outros.
Resumindo, não se “atira no escuro”. A sociedade tem características que precisam ser conhecidas para que aqueles que nela atuam tenham sucesso. Não existe, portanto, nenhum setor da vida onde os conhecimentos sociológicos não sejam de ampla utilidade. E essa certeza perpassa hoje toda a linguagem dos meios de comunicação e toda a atuação profissional das pessoas. É por isso que a sociologia faz parte dos programas universitários que preparam os mais diversos profissionais — de dentistas a engenheiros — e por isso também o sociólogo hoje tem entrada nas mais diversas companhias e instituições.
Daí decorre a afirmação, hoje quase unânime, de que a sociologia é uma ciência que se define não por seu objeto de estudo mas por sua abordagem, isto é, pela forma como pesquisa, analisa e interpreta os fenômenos sociais.
Dizer que o “objeto da sociologia é a sociedade” é dar ao cientista social um objeto sem limites precisos, amplo demais para que dele possa dar conta. Tudo que existe, desde que o homem se reconhece como tal, existe em sociedade. Portanto, não é por fazer parte da sociedade, ou de um meio social, que um fato se torna objeto de pesquisa sociológica. Um fenômeno é sociológico quando sobre ele se debruça o sociólogo, tentando entendê-lo no que diz respeito às relações entre os homens e às influências sociais de seu comportamento.

Desafios da sociologia hoje
O capitalismo vive hoje, no século XX, uma profunda reestruturação que está exigindo dos cidadãos, dos governos e das nações uma revisão completa não só de conceitos como dos mecanismos de funcionamento da sociedade. Uma análise de todos os aspectos que a compõem, como o sistema produtivo, as relações de trabalho, o exercício do poder político, o papel do cidadão, da ciência e da tecnologia, os direitos e deveres de cada setor social ou classe, os problemas sociais referentes a essas mudanças e assim por diante.
Essa reestruturação torna mais necessário ainda desenvolver a capacidade de entender e projetar o rumo dos acontecimentos. Se essa já era uma exigência do mercado livre, ou seja, não-planejado, que se desenvolvia com base em determinados padrões de comportamento social, a sociedade contemporânea, globalizada e competitiva, exige um redimensionamento desses padrões.
O mundo contemporâneo — ou pós-clássico, como o chamam alguns, entre eles George Steiner — exige a retomada e a análise de conceitos consagrados, como divisão social do trabalho, Estado nacional e democracia. Uma sociedade de quatrocentos anos se transforma radicalmente, por um lado aproximando grupos sociais distintos ou, por outro, introduzindo diferenças em comunidades anteriormente integradas. Novas posições surgem, enquanto antigos conflitos — como a Guerra Fria — são abandonados.
Valores básicos da sociedade capitalista — como o trabalho — são deixados em segundo plano, enquanto o lazer e o consumo se transformam em regras sociais.
Enfim, é hora e vez de repensar os padrões, as regularidades que ordenam a vida social e hierarquizá-los. Nesse contexto a ciência da sociedade ganha nova importância e se confronta com novos desafios.

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