segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Encontros e desencontros da sociologia e educação no Brasil

Encontros e desencontros da sociologia e educação no Brasil
Texto para discussão: EXPLICADORAS DO RIO DE JANEIRO: ENCONTROS E DESENCONTROS EM TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS SINGULARES
Autor: MATTOS, Luiz Otavio Neves – UENF – nevesmattos@hotmail.com

Não é exagero afirmarmos que um número expressivo de pesquisas realizadas no campo da Educação tem como ponto de partida as práticas cotidianas de seus autores.
É possível, também, afirmarmos que estudos dessa natureza têm sofrido severas críticas, no universo acadêmico, por se limitarem, muitas vezes, a pretensões pragmáticas,com poucas possibilidades de universalização e diálogo entre seus resultados e outras
realidades potencialmente próximas, ou correlatas, no âmbito da pesquisa em Educação.
No entanto, esses mesmos estudos (salvo algumas produções de baixa qualidade)
têm conseguido gerar conhecimentos de fundamental importância para compreendermos
melhor o universo: da cultura escolar, das práticas pedagógicas, da formação dos
professores, do ofício dos alunos, da relação família-escola, enfim, de uma quantidade
generosa de temas que, se abordados sem um mergulho profundo e responsável naquelas
realidades, tendem a fragilizar seus pretensos resultados e conclusões.
Pois bem, esse artigo fala de um estudo que nasce de uma realidade vivida por
muitos professores (entre os quais me incluo) em seus cotidianos.
Mas de que realidade estou a falar?
Não são poucos os docentes que vêm produzindo pesquisas que se dedicam a
investigar a respeito do “fracasso escolar” dos alunos.
Vários estudos vêm concorrendo, há pelo menos quatro décadas2 para explicar esse
tema.
Entretanto, a pesquisa, da qual trata o presente artigo, faz uma opção teórica que não
compreende o fracasso escolar como um objeto de estudo e, para sustentar tal decisão, vai
buscar consistência junto aos estudos desenvolvidos por Bernard Charlot (2000) que
pretendem abordar, segundo o autor, “[...] uma questão antiga de uma forma relativamente
nova” (2000, p.9).
Para Charlot (2000) a questão do fracasso escolar se configura em “[...] um campo
saturado de teorias construídas e opiniões de senso comum” (2000, p.9) e para dar conta
1 Esse artigo é fruto de minha tese de doutoramento, de mesmo título, defendida em cinco de abril de
2006 na FEUSP. A realização da pesquisa se deu entre os anos de 2004 e 2006.
2 Sobre esse tema consultar Patto, Maria Helena S. em “A Produção do Fracasso Escolar” (1999).
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dela o autor procurou abordar “[...] essa questão clássica na perspectiva da relação com o
saber e a escola” (2000, p.9).
Charlot (2000) não se nega a reconhecer que existem “[...] alunos que não
conseguem acompanhar o ensino que lhes é dispensado, que não adquirem os saberes que
supostamente deveriam adquirir, que não constroem certas competências, que não são
orientados para a habilitação que desejariam, alunos que naufragam e reagem com
condutas de retração, desordem, agressão” (2000, p.16), entretanto, continua o autor: “É o
conjunto desses fenômenos, observáveis, comprovados, que a opinião, a mídia, os docentes
agrupam sob o nome de ‘fracasso escolar’” (2000, p.16).
Portanto, foi nessa direção que passei a ajustar o ponto de partida dessa pesquisa, ou
melhor, na direção do que Charlot (2000) chama a atenção: “O ‘fracasso escolar’ não
existe; o que existe são alunos em situação de fracasso” (2000, p.16).
Nesse sentido, pude dar um tratamento mais adequado, sob o ponto de vista teórico,
para as angústias de um professor, como eu, que não se conformava com o sucesso de
alguns alunos e o insucesso de vários outros.
Ao observar a relação família-escola o (re) encontro com as explicadoras3
Se esse estudo nasce no meu inconformismo com as situações de fracasso escolar de
alguns alunos e com o sucesso de outros, ele se desenvolve e amadurece a partir do
deslocamento do seu foco para certas estratégias familiares usadas como formas de
evitamento do insucesso escolar de seus respectivos filhos.
A mudança da direção do meu olhar me fez encontrar, ou talvez reencontrar, a
figura das explicadoras. Mulheres que com suas histórias e práticas “tomaram de assalto”
minha pesquisa.
Digo isso porque a pretensão inicial do estudo era a de mergulhar no universo
existente entre famílias, escolas e explicadoras para procurar entender essa rede de relações
paralela ao sistema escola formal mas, ao mesmo tempo, tão conhecida por ele.
Na depuração do objeto de estudo acabei por me seduzir pelas trajetórias das
explicadoras.
3 Mulheres, na maioria das vezes professoras formadas, que lecionam em cômodos de suas próprias
casas atendendo a alunos de diversas faixas etárias, em turmas multisseriadas, moradoras nos bairros
periféricos do município do Rio de Janeiro e em municípios da região metropolitana do Estado do Rio de
Janeiro.
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O reencontro com elas [as explicadoras] deve-se ao fato de que nasci e fui criado
durante vinte oito anos de minha vida no bairro onde foi feita a pesquisa. A convivência
com a realidade dessas mulheres que exerciam o magistério “doméstico” fez parte do meu
cotidiano. Isso porque minha irmã mais velha, meu irmão caçula e eu fomos alunos de uma
explicadora4, no período de nossa escolarização primária, em Vila Valqueire5. Soma-se a
esse episódio o fato de minha irmã (professora primária e pedagoga) ter exercido o ofício
de explicadora durante vários anos em sua casa.
Ajustes feitos, objeto redimensionado, a definição dos interlocutores teóricos
passou, então, a ocupar lugar central no cronograma da pesquisa.
Os estudos voltados para o campo da História da Profissão Docente se
credenciaram, como opção mais adequada, para o diálogo teórico necessário com o intuito
de situar o tema das explicadoras no cenário da produção existente da pesquisa em
Educação.
Figurou como central nesse diálogo inicial o livro “500 anos de Educação no
Brasil” organizado por Eliane Marta Teixeira Lopes, Luciano Mendes de Faria Filho e
Cynthia Greive Veiga (2003).
A partir do artigo escrito por Denice B. Catani e intitulado: “Estudos de História da
Profissão Docente” (2003), no qual a autora tenciona examinar convergências existentes
nas produções sobre história da profissão docente no Brasil, foi possível identificar a
ausência de estudos dedicados a investigar os “modos de atuação” (Catani In: Lopes, Faria
Filho e Veiga, 2003, p.589) presentes no magistério brasileiro.
Esse foi um movimento decisivo para o tratamento que passou a ser dado às
explicadoras na pesquisa.
Explicando melhor, o ofício de explicadora passou a ser tratado na pesquisa como
uma forma de exercício da docência.
No sentido de dar mais consistência à revisão da bibliografia que guardasse
interfaces com o meu objeto de estudo recorri, então, a três fontes.
Em primeiro lugar, busquei nas dissertações de mestrado e teses de doutorado das
bibliotecas virtuais da PUC-SP, PUC-Rio, USP, UFMG, UNICAMP e UFSM, temas
4 “Tia Conceição”, uma das nove explicadoras pesquisadas.
5 Bairro situado na zona oeste do Rio de Janeiro, mais especificamente na região de Jacarepaguá,
onde meus familiares (mãe, irmãos, sobrinhos, tios, primos, cunhados, afilhados etc.) residem até hoje. Assim
como em outros bairros da periferia do Rio de Janeiro, Vila Valqueire possui um número bastante grande de
casas que anunciam, por meio de placas em suas fachadas, os serviços de explicadoras.
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relacionados: às práticas docentes/práticas pedagógicas, à história do magistério/história da
profissão docente, à profissão/profissionalização docente, às trajetórias de professoras, à
identidade profissional e aos saberes docentes.
Em segundo lugar, trabalhos publicados em periódicos com boa circulação nacional
– Caderno CEDES (UNICAMP), Caderno de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas), Revista
Educação e Pesquisa (FEUSP), Revista Educação e Sociedade (UNICAMP), Revista
Brasileira de Educação (ANPEd) e Revista Centro de Educação (UFSM) -, também, foram
selecionados para leitura a partir dos eixos temáticos norteadores da busca.
Por último, o CD-Rom da ANPEd com produções de 1981 a 1998 e os CDs-Rom
das reuniões realizadas em 1999, 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004 foram, igualmente,
explorados a partir do uso de descritores e títulos chaves: História da Educação, Professoras
e Professores, Professores Primários, Trabalhadores em Educação, Docentes e Docência,
Trajetórias.
Importante ressaltar que toda essa busca e posterior leitura confirmou o que chamei
na tese de um “buraco” existente na produção daquele período explorado, no que diz
respeito às “formas de exercício da docência”, ou como tratado por Catani (In: Lopes,
Faria Filho e Veiga, 2000): “modos de atuação” (2000, p. 589) no magistério.
Portanto, o perfil inaugural do estudo vislumbrava a dificuldade de uma
interlocução teórica mais direta, ou melhor, a situação demandava um esforço de busca e
ampliação de diálogo.
O bom manuseio das fontes selecionadas no processo de revisão bibliográfica e o
contato com o campo foram determinantes para a superação das ausências apontadas.
Falemos, então do campo.
A preparação para a entrada
Quatro critérios foram definidos para o início do trabalho de campo. Foram eles: a
heterogeneidade das informantes (as explicadoras), o local onde se realizaria a pesquisa, o
campo de atuação das informantes e o número de sujeitos com o qual a pesquisa iria contar.
O critério da heterogeneidade procurou dar conta da pluralidade existente no
universo das explicadoras. Pluralidade expressa na formação escolar e profissional, na
origem familiar, no tempo de exercício no magistério escolar e/ou doméstico, no tempo de
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formação, na idade, no pertencimento geracional e no capital cultural e intelectual das
informantes e de suas famílias.
O local de realização da pesquisa, outro importante critério definido para a entrada
no campo, levou em consideração a minha facilidade de deslocamento entre as casas das
explicadoras. O bairro escolhido - Vila Valqueire – tinha características muito semelhantes
aos demais bairros da periferia da capital fluminense no que se refere à existência das
explicadoras, fator esse que contribuiu para a concentração do trabalho de campo em uma
região sobre a qual eu tinha maior conhecimento.
O campo de atuação das explicadoras figurou entre os critérios por possibilitar a
delimitação do tipo de atendimento feito por elas, isto é, foram investigadas professoras que
trabalhavam em casa, preferencialmente, com o primeiro segmento do ensino fundamental
e, no máximo, com alunos cursando até a oitava série.
Por último, mas não menos importante, o número de informantes se configurou,
como em todos os estudos de natureza qualitativa, que lidam com entrevistas e
observações, em um critério estratégico para o trabalho de campo.
Pensado inicialmente para serem seis informantes cheguei ao número de nove
explicadoras em virtude da pluralidade de perfis encontrados nas primeiras visitas ao
campo.
Cabe lembrar que planejei, então, contar com dez sujeitos para fazerem parte do
grupo da pesquisa – nove mulheres e um homem – entretanto, em conseqüência de um
problema de saúde, o único homem no grupo de explicadores teve que sofrer uma cirurgia
de emergência e permaneceu internado durante toda a realização da pesquisa de campo.
Os primeiros contatos e a definição do grupo
Em Vila Valqueire – ou “no Valqueire” como é mais conhecido – não é difícil
encontrarmos casas que ofereçam serviços de explicadoras.
Andando pelas ruas, ainda, arborizadas desse que se caracteriza como um dos
bairros residenciais do Rio de Janeiro, é possível encontrarmos diversas placas nas janelas e
fachadas anunciando:
Explicadora de CA à 4ª série
Telefone: 2222-2222
Explicadora de 1º grau
Telefone: 2222-2222
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Pois bem, foi tocando a campainha dessas residências, ou anotando os telefones
para posterior contato, que iniciei as primeiras abordagens junto às explicadoras.
Entretanto dois aspectos devem ser ressaltados.
O primeiro refere-se a uma das explicadoras; na verdade a mais idosa do grupo: D.
Conceição, ou “tia Conceição” como era chamada por nós lá de casa.
Refiro-me a ela pois o primeiro contato feito com Conceição já completava mais de
trinta anos quando da pesquisa. Fomos todos – eu, meu irmão caçula e minha irmã mais
velha - alunos dessa explicadora que estava aposentada desde 1985. Meu irmão, inclusive,
alfabetizou-se com ela.
Dessa forma, com exceção de Conceição, todos os outros contatos partiram do
“zero”, ou melhor, das “placas” e é aí que entra o segundo aspecto sublinhado
anteriormente.
Para aproximar-me das outras oito explicadoras que compuseram a pesquisa contei
com a participação de uma colaboradora bastante especial: D. Ivette, minha mãe.
Em virtude das orientações médicas e dos conselhos do filho - professor de
Educação Física – D. Ivette caminhava (e continua caminhando) pelas ruas do bairro com
uma tarefa que ia além do exercício físico: descobrir novas placas e repassar os respectivos
telefones e endereços para mim.
Pode parecer bizarro, ou pouco comum no universo acadêmico, mas foi uma tática
certeira.
Digo isso porque, na maioria das vezes, D. Ivette batia na porta dessas casas e se
apresentava como a mãe de um pesquisador da USP, que tinha pretensões de pesquisar
sobre as explicadoras de Vila Valqueire e que precisava da autorização delas para proceder
a um primeiro contato.
Certamente que houve intencionalidade nessas ações. O fato de minha mãe ser uma
moradora conhecida no bairro e, até mesmo, por se tratar de uma senhora com mais de
Dá se-aula de português e matemática até a 5ª série
Telefone: 2222-2222
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setenta anos, contribuiu para quebrar qualquer desconfiança que poderia ser gerada pela
minha presença num primeiro momento.
Não podemos deixar de registrar que a pesquisa realizou-se em um bairro do Rio de
Janeiro, município, esse, no qual a população tem convivido, cotidianamente, com o medo,
com a insegurança e, conseqüentemente, com a desconfiança.
Em Vila Valqueire não era diferente.
Não tenho dúvidas de que o contato inicial, ao ser realizado, na maioria dos casos,
por D. Ivette ajudou a superar possíveis resistências das explicadoras e, principalmente, de
seus maridos e familiares.
Enfim, definido o grupo: Conceição, Mary, Claudia, Marcilene, Valéria, Silvana,
Maria, Mônica e Rosana.
Os caminhos percorridos (ou as estratégias metodológicas)
As opções metodológicas assumidas na pesquisa se apresentaram como as mais
adequadas para as características de um estudo de inspiração etnográfica.
Definidos os sujeitos, a partir dos critérios estabelecidos como norteadores,
procedeu-se a um período de entrevistas exploratórias (agendadas após um, ou mais
telefonemas feitos por mim a todas as explicadoras), através das quais, tornou-se possível,
em primeiro lugar, estabelecer uma relação de confiança entre pesquisador e informante,
fator de grande importância para um estudo com esse perfil.
Nas entrevistas exploratórias (realizadas durante uma, ou duas, visitas feitas na casa
de cada uma das explicadoras) foi possível, também, explicitar o objetivo do estudo com
maior riqueza de detalhes.
Em segundo lugar, de posse dos dados obtidos nas entrevistas exploratórias, foi
possível construir e adequar os roteiros utilizados para orientar a observação participante e
a entrevista semi-estruturada.
Foram realizadas diversas visitas6 à casa de cada explicadora, durante as quais pude
observar: o ambiente físico do trabalho (salas, varandas etc.), as estratégias didáticopedagógicas,
os materiais didáticos utilizados, a dinâmica das aulas, as relações entre as
explicadoras e os alunos e entre elas e os responsáveis dos alunos, a indumentária usada
pelas professoras e pelos alunos etc.
6 As visitas eram realizadas durante todo o dia de trabalho das explicadoras (manhã, tarde e noite) somente
havendo intervalo para o almoço.
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Captar a especificidade do ofício de explicadora e, ao mesmo tempo, as
particularidades e recorrências no universo de cada uma das nove informantes foi um
exercício factível em virtude das possibilidades criadas por essa estratégia metodológica.
Segundo Becker (1999):
“O observador participante coleta dados através de sua
participação na vida cotidiana do grupo ou organização que
estuda. Ele observa as pessoas que está estudando para ver as
situações com que se deparam normalmente e como se comportam
diante delas. Entabula conversação com alguns ou com todos os
participantes desta situação e descobre as interpretações que eles
têm sobre os acontecimentos que observou” (Becker, 1999, p.47).
Na penúltima (em alguns casos), ou na última visita (na maioria das vezes) foram
realizadas as entrevistas semi-estruturadas.
A ferramenta metodológica utilizada para obter os depoimentos das explicadoras
teve o relato oral como norteador, isso porque as questões presentes na segunda etapa das
entrevistas, na sua grande maioria, foram formuladas de maneira a possibilitar a liberdade
das informantes para respondê-las, estimulando e transformando as narrativas das
explicadoras no elemento central de suas entrevistas.
Por intermédio das questões, as explicadoras tiveram condições de realizar longos
depoimentos recorrendo, de forma sistemática, às suas memórias.
Pollak (1989) destaca que “Através desse trabalho de reconstrução de si mesmo o
indivíduo tende a definir seu lugar social e suas relações com os outros” (Pollak, 1989,
p.13).
Entretanto, esse recurso metodológico, por mais flexível que possa parecer, não
abriu mão da intencionalidade na condução das entrevistas. Como nos revela Brandão
(1999):
“Definitivamente, a flexibilidade sempre reclamada para as
entrevistas (não estruturadas) não têm nada a ver com uma
conversa. A entrevista é trabalho (grifo da autora), reclamando
uma atenção permanente do pesquisador aos seus objetivos,
obrigando-o a colocar-se intensamente à escuta do que é dito, a
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refletir sobre a forma e conteúdo da fala do entrevistado, os
encadeamentos, as indecisões, contradições, as expressões e
gestos...”. (Brandão, 1999, p.8)
Pois bem, a quantidade de informações e a densidade dos relatos obtidos durante o
período do campo foi de tal ordem que o caderno de campo e as transcrições das inúmeras
fitas transformaram-se em potentes aliados na interpretação dos dados.
Uma estratégia adotada na construção do relatório final da pesquisa foi a de reservar
considerável espaço para a apresentação de cada uma das explicadoras. Não uma
apresentação pura e simples, mas sim algo que possibilitou revelar os encontros e
desencontros nos cotidianos, nas práticas e nas trajetórias de todas as nove professoras.
O desenvolvimento dessa estratégia serviu não somente para tornar público essa
forma peculiar de exercer a docência, mas, também, para dar contornos mais definidos ao
cenário pesquisado, ou melhor, trouxe à tona os principais achados dessa pesquisa.
Dediquemo-nos a eles a partir de agora.
Como constituir-se professora e explicadora
Uma das questões centrais a ser respondida pela pesquisa referia-se a como se
deram os processos de socialização profissional7 (professora e explicadora) de cada uma
das informantes.
Suas trajetórias escolares; o nível de escolaridade de seus familiares; as influências
e os motivos das escolhas quando do término do ginásio; o ingresso no curso Normal, ou no
ensino superior; os primeiros flertes com a docência; enfim, elementos constitutivos e
balizadores de opções e representativos da vida de cada uma das professoras.
Para dar conta de tratar dos processos de socialização das minhas nove informantes,
no que diz respeito às suas escolhas voltadas para o campo da docência recorri aos
conceitos de habitus e estratégia desenvolvidos por Pierre Bourdieu e interpretados de
maneira ajustada à pesquisa através de Nogueira (1991 e 2004), Lelis (1996) e Perrenoud
(1997).
7 Sobre socialização profissional no magistério ler Lelis (1996), Nogueira (1191 e 2004) e Perrenoud (1997).
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Todos os três autores têm em suas respectivas produções consultadas um bom
caminho andado nas reflexões sobre os processos de socialização de professores, frutos de
diálogos com a obra do sociólogo francês - Pierre Bourdieu -, com trabalhos que, se não se
debruçam sobre a realidade da educação brasileira, possuem interfaces extremamente
potentes para interpretá-la, como é o caso de Perrenoud (1997).
Portanto, para compreender os processos de socialização das nove explicadoras fezse
necessário que nos muníssemos de uma espécie de lente bifocal
Explico melhor:
Focar, nos depoimentos das professoras, elementos constitutivos dos seus processos
de socialização familiar e escolar exigiu do meu olhar uma capacidade de leitura fortemente
marcada por esses dois conceitos fundantes dos estudos de Bourdieu.
Pela natureza do objeto da pesquisa e dos sujeitos que a compuseram não seria
prudente, sob o ponto de vista teórico, desconsiderar a potência desses recursos sob pena de
ser realizada uma interpretação empobrecida da realidade investigada.
Para Nogueira:
“O conceito de habitus com a intenção de ultrapassar a oposição
determinismo/liberdade através da articulação das estruturas
objetivas externas com as estruturas subjetivas internas (a história
pessoal), constituindo o ponto de convergência no qual a
exterioridade se interioriza e se ‘incorpora’ de modo durável no
corpo, exteriorizando-se na forma de disposições, predisposições,
propensões, inclinações. Ele funciona como um princípio gerador e
organizador das práticas, dos discursos, das representações, tanto
no nível do agente quanto no nível do grupo ou classe social”.
(Nogueira, 1995, p.3)
Da mesma forma para a autora:
“Outro conceito importante da teoria bourdieusiana, o conceito de
estratégia – fundamental para a compreensão da teoria dos
‘campos’ – também foi criado com a intenção de se opor ao
objetivismo estruturalista (a ação sem sujeito). Ele se refere a um
‘sentido prático’ que advem da participação no ‘jogo’ que se joga
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nos diferentes campos sociais, em torno da
apropriação/manutenção das espécies de capital específicas de
cada campo. Assim, ao invés de submissão a regras explícitas, as
ações são concebidas como participação no jogo, sendo bom
jogador aquele que adquiriu o ‘sentido do jogo’, que ‘faz a todo
instante o que deve ser feito, o que o jogo demanda e exige’ ”.
(Nogueira, 1991, p.81)
Nesse sentido, foquei e interpretei as trajetórias das explicadoras na direção do
magistério, quando ainda adolescentes, partindo da mesma compreensão que Lelis (1996)
desenvolveu em sua pesquisa com treze professoras:
(...) as entradas no magistério foram construídas sob determinadas
condições. Condições que expressam espaços nos quais estas
mulheres transitaram, desde a primeira socialização e que foram
importantes na constituição de disposições mais ou menos
favoráveis ao magistério, mais ou menos duradouras. Campo
familiar, campo escolar, atravessados por idéias e valores onde
estas mulheres ocuparam determinadas posições”. (Lelis, 1996, p.
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No caso das nove explicadoras estávamos de frente para dois tipos de escolha.
A primeira, relacionada à entrada no curso Normal, o que não significava dizer que
era o mesmo que a entrada para o exercício do magistério.
A segunda escolha, ou decisão, relaciona-se ao fato de terem optado por trabalhar
como explicadoras, ou melhor, por exercerem a docência doméstica, fora do mundo
escolar. Isso porque quase todas elas tiveram pequenas passagens por escolas, na maioria
das vezes, em virtude da exigência das horas da disciplina responsável pelo estágio em seus
respectivos cursos de formação.
Portanto, essas duas ordens de escolha – pelo magistério e dentro do próprio
magistério, a de ser explicadora – estavam encharcadas de motivos, disposições e
estratégias constituídas na história de cada uma das professoras.
De acordo com Lelis (1996):
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“O que estas mulheres revelaram em seus depoimentos foi uma
pluralidade de sentimentos e práticas tendo como pano de fundo
contextos sociais determinantes nos momentos que antecederam
uma escolha e a entrada na profissão e uma série de estratégias
(grifo da autora) desenvolvidas no percurso de suas vidas, ainda na
infância e adolescência”. (Lelis, 1996, p. 65)
A constituição dos eixos temáticos
Inicialmente organizados no segundo bloco do roteiro da entrevista semi-aberta sob
o título de “Dados relacionados ao ofício de explicadora”, destinados a captar aspectos
vinculados às práticas cotidianas das nove explicadoras, tornou-se necessário, no decorrer
do trabalho de campo, que eles [os dados] passassem a ter um tratamento mais sofisticado.
Penso ser importante chamar a atenção para essa estratégia metodológica na medida
em que ela, de alguma maneira, revelou a importância que a empiria exerceu sobre o
conjunto do estudo.
Constituir eixos temáticos, se por um lado teve intenções organizativas, por outro
lado, serviu para consolidar características presentes no exercício do ofício de explicadora,
dando-lhes nomes e foco.
Portanto, falar de: estratégias didáticas, rotinas; recursos pedagógicos acionados;
relação e opinião sobre família, escola e aluno; desejos e diferenças que marcavam o
trabalho da explicadora passou a ser, a partir da estruturação dos eixos, falar sobre a
essência daquele ofício.
Certo de que “todo cuidado é pouco” em um momento como esse na pesquisa,
entretanto, não posso me privar de declarar a fertilidade que essa etapa do estudo adquiriu.
Falar de uma prática, até então silenciada nas pesquisas do campo da Educação,
exigiu um esforço teórico de diálogo com produções que, ao menos, tangenciassem o tema
pesquisado.
Em virtude disso, foi de fundamental importância a interlocução com os estudos de
Tardif (2002 e 2005), Lelis (1996) e Perrenoud (1997), os quais possibilitaram dar forma
aos dados que emergiram com potência do campo, forjando, então, a organização dos eixos
temáticos.
O primeiro deles expôs as estratégias didáticas construídas e utilizadas pelas
explicadoras no cotidiano de suas aulas. Tanto os procedimentos como os materiais
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pedagógicos fizeram parte do elenco de iniciativas ao qual elas recorriam para dar conta das
demandas dos alunos.
Foi lá que conhecemos o “caderno da explicadora” e que reencontramos a tabuada,
o ditado e o caderno de caligrafia. Todas, figuras comuns nas salas e varandas de aulas.
As rotinas constituídas pelas explicadoras para cumprirem a contento suas tarefas
emergiram como o segundo eixo da pesquisa.
Organizar o tempo de suas aulas para darem conta: dos infindáveis deveres de casa,
das dúvidas que precisavam ser resolvidas com vistas às provas e testes semanais das
escolas, das pesquisas que precisavam ser feitas nos prazos marcados, enfim, todas elas
eram situações que exigiam iniciativas forjadas sob forma de rotinas.
Algo que se configurava no ambiente escolar formal como sendo negativa, as
rotinas, que Perrenoud (1997) vinculava ao habitus profissional, ao inconsciente e aos
automatismos dos professores, no caso das explicadoras, poderíamos dizer que eram um
mal necessário.
O terceiro eixo apresentou-nos aos recursos acionados pelas explicadoras para que
pudessem dar conta da diversidade das demandas oriundas de turmas multisseriadas, como
as atendidas por elas.
Além dos livros didáticos, sempre, presentes como um dos mais acionados, a
maioria das professoras revelou que os saberes forjados a partir de suas experiências se
configuravam como seu principal recurso para trabalharem com tamanha variedade de
demandas.
Para Tardif, Lessard e Lahaye (1991): “esses saberes brotam da experiência e são
por ela validados. Eles incorporam-se à vivência individual e coletiva sob a forma de
habitus e de habilidades, de saber fazer e de saber ser. Podemos chamá-los de saberes da
experiência ou da prática” (1991, p. 220). É certo que elas validaram suas práticas como
geradoras de saberes. Seus relatos comprovaram isso.
Pesaram, também, para algumas delas, os saberes construídos em suas trajetórias
escolares, principalmente, quando deram as primeiras caminhadas na direção da docência
doméstica.
O quarto e quinto eixos temáticos foi possível usá-los como termômetros para
aferirmos como andavam as relações e as opiniões das nove professoras com respeito à
instituição escolar, à instituição familiar e aos alunos.
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Se os resultados apontaram para relações um tanto conturbadas, em suas falas sobre
os três temas, esse aspecto ficou fortemente evidenciado ao expressarem suas opiniões
sobre eles.
Balizadas por um passado não muito preciso no qual tanto famílias, como escolas e
alunos, se enquadravam em um perfil idealizado, ou monumentalizado, todas as
explicadoras, sem exceção, foram portadoras de críticas severas à falta de parceria das
famílias na condução da educação escolar das crianças, à inadequação dos métodos e da
organização escolar e ao descompromisso dos alunos com os estudos.
Juntou-se a essas mais uma série de pesadas críticas aos professores das escolas,
segundo elas, pela falta de responsabilidade deles para com a individualidade dos alunos no
processo ensino aprendizagem.
As diferenças presentes no modelo de trabalho doméstico das explicadoras se
configuraram como o sexto eixo temático.
Certamente que para falarmos em diferenças, elas foram pensadas em relação a
alguma coisa.
Pois bem, a escola era o outro lado da moeda.
O eixo trouxe à superfície o que, na opinião das explicadoras, fazia a diferença para
que os alunos aprendessem com elas o que não conseguiam aprender nas respectivas
escolas.
Figurou como principal elemento a atenção individualizada, ou como Marta (uma
das explicadoras) preferia falar: “o tratamento vip”, dispensado aos alunos nas salas e
varandas das explicadoras.
Fomos buscar, então, nos estudos de Tardif (2005), Perrenoud (1997) e Penteado
(2001) diálogos capazes de darem consistência a mais esse achado da pesquisa.
No caso do autor canadense – Tardif - reforçamos o caráter interativo da profissão
docente. Perrenoud apresentou-nos, através de um diálogo com Morin, as particularidades e
complexidades de profissões com caráter relacional como é o caso do magistério. Por
último, Penteado apontou o peso e a importância da comunicação na relação
professor/aluno/conhecimentos.
Enfim, todos diálogos que contribuíram para dar solidez a um produto desse estudo;
produto esse que veio a se configurar como uma das marcas fortes do ofício de explicadora.
Por derradeiro, o sétimo eixo temático: os sonhos e desejos das nove professoras.
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A intenção, inicialmente, nas entrevistas era captar o que poderia aflorar como
vontades, ainda, a serem alcançadas por mulheres professoras. A força dos relatos e alguns
paradoxos elevaram a sua importância.
Boa parte dos desejos se limitava ao campo da docência: algumas pretendiam fazer
o curso superior na área de Matemática, outras desejavam passar em concurso para lecionar
no magistério público. O interessante é que era no magistério que seus sonhos miravam.
Mesmo que fosse para trabalhar nas instituições marcadas por suas mais severas
críticas.
Portanto, eram essas as explicadoras as quais o título da pesquisa anunciara.
Foi o silêncio em torno delas que me mobilizou para estudá-las e para torná-las
públicas.
Alguns outros importantes achados da pesquisa
É de bom tamanho, também, apresentar dois outros importantes achados produzidos
pelo estudo.
Trata-se, em primeiro lugar, de resgatarmos as estratégias de evitamento de
conflitos com as escolas assumidas pelas explicadoras em suas práticas e em seus relatos.
Tal procedimento revelou, além das próprias estratégias, uma postura
conservacionista das professoras na direção da instituição escolar na medida em que elas
[as explicadoras] por mais críticas que fossem aos métodos e procedimentos adotados nas
escolas de seus alunos (e não foram poucas as críticas), isso não foi suficiente para que elas
experimentassem ações mais arrojadas que enfrentassem as dinâmicas tradicionais daquelas
instituições.
Um segundo achado se constituiu como revelador de uma realidade não prevista no
início da pesquisa.
Falo aqui da predominância da freqüência de alunos de escolas particulares nas
salas, varandas e quintais de aulas das explicadoras.
Para as professoras esse dado não significava a superioridade da qualidade da escola
pública em relação às instituições privadas. Todas, sem exceção, creditaram ao
empobrecimento das camadas menos favorecidas da população, as quais têm feito uso em
maior proporção do sistema público de ensino, o fato de não terem condições de pagarem
(por mais barato que fosse) os preços cobrados pelas por elas [explicadoras].
16
16
Nesse sentido, eram as famílias com melhores condições financeiras que tinham, na
maioria das vezes, acesso aos serviços das explicadoras.
Mas não só de achados e resultados acadêmicos essa pesquisa se nutriu.
Algo de importante aconteceu para além do que foi exposto até agora.
Um café da manhã, um encontro e muita história para contar
Quando iniciei a pesquisa não tinha essa idéia em mente, assim como, também, não
imaginava que nenhuma das explicadoras se conhecessem.
E era verdade...
Nenhuma delas havia mantido sequer algum contato telefônico já que quase todas
tinham seus números registrados nas “plaquinhas”.
A única explicadora que me revelou ter feito ligações para algumas explicadoras do
bairro foi Valéria com a intenção, segundo ela, de fazer um levantamento do preço cobrado
pelas suas (na época) futuras concorrentes.
Sempre tratei desse tema com cuidado com elas, qual seja o de procurar saber se
conheciam outras explicadoras no bairro e, se não, por que não conheciam.
Para a primeira pergunta as respostas eram negativas e para a segunda, geralmente,
nenhum motivo justificável.
Por entender, exatamente, que poderia avançar por um terreno não desejável – o da
disputa de espaço ou da concorrência – nunca insisti nesse tema.
Entretanto, passei a nutrir a vontade de realizar um encontro onde todos nós,
participantes da pesquisa, pudéssemos estar: eu, D. Ivette e todas as nove explicadoras, para
que tivéssemos a oportunidade de nos apresentar e conversar de maneira informal sobre a
pesquisa e sobre o que fosse do interesse no momento.
Esse foi o primeiro desenho em minha imaginação.
Com o tempo e conversando com elas o projeto foi se desenvolvendo e cheguei ao
formato de um café da manhã, a ser realizado em um sábado do mês de novembro de 2005
(quando o número de alunos já estava menor), onde iríamos ter dois momentos: o primeiro
destinado às apresentações e à confraternização propriamente dita e o segundo, no qual
realizaríamos uma roda de bate-papo, onde conversaríamos sobre aluno, família, escola e
sobre ser explicadora.
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17
Contratei uma equipe de documentaristas do CECIPE8 (Centro de Educação e
Imagens Populares) para registrar o encontro e informei a todas elas, através de convite e de
telefonemas, que o mesmo seria gravado.
No dia não foram todas.
Na véspera Rosana, Marcilene e Marta avisaram-me que não poderiam estar por
motivos de saúde, familiares e de compromisso com a catequese, respectivamente.
Entretanto, todas as outras: Conceição (anfitriã), Mônica, Mary, Valéria, Clarisse e
Silvana foram chegando, aos pouquinhos. Todas bem arrumadas e maquiadas.
Depois das apresentações conversamos durante, aproximadamente, uma hora,
lanchamos e formamos um círculo para iniciarmos, então, a segunda parte do encontro.
Chamaria a atenção para três aspectos que emergiram do bate-papo:
O primeiro relacionado ao fato de que me impressionou como ganharam volume,
quando feitas em conjunto, as críticas tecidas por elas, especificamente, sobre as famílias e
as escolas, e em especial, aos professores das escolas.
Todas, sem exceção, conseguiram ser mais duras do que nas entrevistas, quando
falaram da falta de responsabilidade das famílias e dos professores em relação aos alunos.
O segundo aspecto que me chamou a atenção foi quando elas falaram delas, ou
melhor, sobre o papel delas. Afirmações do tipo:
“A escola é pra passar; a gente pra explicar”, “A criança vai para a
explicadora porque as famílias querem se livrar dos compromissos”, “A escola tem
que reconhecer que precisa da explicadora” etc. se juntaram a outras que revelavam o
prazer de exercerem esse ofício: “É gratificante quando o aluno chega pra você e fala:’
Pôxa tia eu consegui isso ou aquilo’”, “Meus alunos me procuram até hoje”, “É
muito bom uma senhora de setenta e quatro anos que eu ensinei a assinar o
nome, a escrever e a ler” etc.
A fala coletiva, também, foi provocadora de uma força na defesa do ofício de
explicadora e que ganhou contornos corporativos vistos com menor intensidade durante as
entrevistas individuais.
Por último, fiz questão de dar foco a um fragmento do depoimento de Clarisse que,
já próximo do final do encontro, pediu a palavra para reconhecer que no início da pesquisa,
8 ONG que trabalha com cursos de imagens e documentários na área de Educação e Educação
Popular.
18
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quando eu havia feito os primeiros contatos, ela se esquivara de me atender, mas que
naquele momento:
“Se sentia muito feliz de saber que tinha alguém interessado no trabalho
das explicadoras”.
Vejo-me diante, portanto, de uma pesquisa que ousa contribuir com os estudos do
campo da História da Profissão Docente, sobre os quais Nunes (apud Catani, 2003) já
denunciara a ausência de traços demarcadores desse campo específico de pesquisa.
Acredito, com a humildade necessária, que o presente estudo inaugura uma temática
que pode ser absorvida pelo referido campo.
Afinal de contas, as explicadoras incorporam histórias de um tipo de exercício da
docência e sobre o qual já podemos dizer que conhecemos um pouco.
Enfim, penso ter contribuído com as pesquisas do campo da Educação, ou talvez, tal
qual fala António Nóvoa, esteja a pagar - quem sabe? -, parte da dívida com o meu passado,
através desse estudo.
19
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A RELAÇÃO COM O SABER DE ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL - UM ESTUDO SOCIOPOÉTICO

A RELAÇÃO COM O SABER DE ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL - UM ESTUDO SOCIOPOÉTICO
Autor: ADILSON MENESES DA PAZ



TRECHOS DE UMA DISSERTAÇÃO: Le rapport aux savoirs chez les adolescents en situation de risque une étude socio-poétique - Canadá, FÉVRIER 2004
Fonte: http://bibvir.uqac.ca/theses/17844859/17844859.pdf


INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1 - PROBLEMATIZAÇÃO
1. QUESTÕES HISTORIC AS 11
2. MAQUINANDO O PROBLEMA 14
CAPÍTULO 2 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1. REFLETINDO SOBRE ADOLESCÊNCIA 30
2. A ADOLESCÊNCIA E O RISCO SOCIAL 38


INTRODUÇÃO

O interesse pelo proposto problema estar atrelado a minha experiência de educador de rua,junto ás crianças e adolescentes em situação de risco social, oriundos das periferias urbanas da cidade de Salvador/Bahia.
Durante a itinerância enquanto educador nas ruas de Salvador, junto aos meninos e meninas, pude constatar que uma parcela significativa de adolescentes em situação de risco social, após serrem matriculados nas unidades escolares públicas, evadiam ou demonstravam problemas de aprendizagem. Por me senti seriamente envolvida por essas questões, debrucei-me sobre o problema,
tentando entender - A relação com o saber de adolescentes em situação de risco social,
buscando ir além do aparente, tentando entender qual o lugar do saber escolar para os
adolescentes na pesquisa.
Após algumas tentativas frustradas com algumas instituições sociais, pude desenvolver a
pesquisa na instituição Lar Fabiano de Cristo, localizada em um bairro periférico - Alto d e
Coutos. A instituição destina-se ao atendimento de crianças e adolescentes oriundos
também de bairros circunvizinhos como Paripe, Periperi, Fazenda Coutos, e tem como
objetivo a socialização de crianças e adolescentes em situação extrema de pobreza. A.
pesquisa foi realizada com um grupo de 16 adolescentes que freqüentavam a instituição n o
turno da manhã.
As periferias urbanas de Salvador/Bahia constituem - se em um lugar físico e social onde
se acham cristalizadas os problemas de exclusão, de violência e de sofrimento sociais,
engendradas pelo processo exacerbado de uma certa racionalidade capitalista com um
modo de funcionamento paradoxal, isto é, a riqueza é gerada na medida em que se produz,
ao mesmo tempo, a pobreza, a miséria e a exclusão maciça de pessoas do mercado de
trabalho e consumo.
Pensar sobre os adolescentes dos segmentos pobres dos bairros periféricos, submetidos ao
processo de exclusão, significa abordar um universo tão multiforme que se torna
impraticável querer apreendê-lo por meio de tipologias. O adolescente marginalizado pode
ser recortado de diversas formas: usuários de substância psicoativas, trabalhador urbano,
vítima de exploração/ negligência do adulto, morador de rua, delinqüente, mendigo, etc.
Podemos afirmar que o que estes adolescentes tem em comum é a trajetória social
caracterizada pela precariedade de atendimento das políticas sociais básicas. O que nos fez
conceituá-los com adolescentes em situação de risco social.
Esta pesquisa insere-se no contexto das pesquisas qualitativas em educação, fortemente
influenciada pela abordagem astuciosa e afetiva da Sociopoética, possibilitando aos
sujeitos da pesquisa, procedimentos inclusivos e vivências prazerosas no ato de pesquisar.
Neste trabalho alinho-me a todos aqueles optam por uma prática esclarecida na busca d e
um saber democraticamente construído. Os adolescentes assumiram na pesquisa o lugar
crítico e criativo atuando com verdadeiro protagonismo no ato de pesquisar, onde puderam
opinar, descartar, e até indicar caminhos para encruzilhadas que por muitas vezes nos
trouxeram angustia no processo da pesquisa.
Os capítulos a seguir demonstram a itinerância da pesquisa e a tentativa da compreensão e
elucidação das questões que deflagraram a pesquisa.
No primeiro momento, referente à problemática, descrevemos um pouco sobre a história do
abandono da criança e do adolescente, e a experiência educativa onde se "maquinou" o
problema da pesquisa.
No segundo momento trabalhamos com Bemard Chariot e as questões sobre a relação com
o saber, a partir de Ayres (1990), Aberastury (1981) e Knobel 1(981) e outros refletimos
sobre a adolescência e com Gauthier (2001) introduzimos os princípios da Sociopoética,
questões essenciais no processo desta pesquisa.
No terceiro momento, construímos, a partir da Sociopoética, um caminho teóricometodológico
inclusivo, em que o corpo é reconhecido como instrumento de produção do
conhecimento e cada adolescente, através de uma postura cidadã na pesquisa, passa a
assumir o lugar de co-pesquisador movido por seu imaginário, seus desejos, seu
distanciamento crítico e suas implicações.
Em um quarto momento do pesquisar, descrevemos a itinerância do vivido na instituição
Lar Fabiano de Cristo, os encontros e reencontros com os adolescentes em situação de risco
social e os achados no processo do pesquisar.
Em um último momento, refletimos sobre os achados da pesquisa e sobre a importân
pensar a relação com o saber escolar.
A intenção do estudo é produzir reflexões sobre a relação com o saber escolar de sujeitos
oriundos de situação de risco social dentro de um âmbito democrático, dando aos sujeitos
da pesquisa uma participação ativa inclusiva na leitura do problema vivido por estes.
CAPÍTULO I
PROBLEMATIZAÇAO
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1. QUESTÕES HISTÓRICAS
A história do abandono está intimamente ligada ao mundo da rua, pois esta sempre foi o
lugar da desproteção, do perigo, da violência. E, durante toda a história, a rua foi a casa de
muitas crianças. Em princípios do século XVIII, na Europa, e até no Brasil, o número de
crianças abandonadas causava escândalo.
Para resolver esta situação, no Brasil, foram instituídas pelas Irmandades de Caridade, as
"rodas dos expostos". A "roda" era uma caixa cilíndrica, de madeira repartida ao meio, que
girava para dentro e para fora do recinto. A roda surgira para as pessoas colocarem
remédios, alimentos ou mensagens para os moradores dos conventos. Agora servia para
recolher crianças enjeitadas pelos pais que não podiam criar. Esta prática estendeu-se até o
período republicano, constituindo-se na principal política de atendimento social às crianças
abandonadas.
No período do Brasil Imperial, por causa da escravidão, essa situação se perpetuou e
acabou por fortalecer com a lei da Abolição da Escravatura. Desde a Lei do Ventre Livre, a
Casa dos Expostos tornara-se o reduto principal de acolhimento de crianças desvalidas.
Em 1881, o Código Penal já trazia regras de inimputabilidade, o que demonstrava uma
certa preocupação da sociedade para com as crianças desamparadas ou delinqüentes.
No século XIX, já no período republicano, a situação da criança já era entendida como
problema social, pois, após a Abolição da Escravatura e o incentivo à migração da mão-deobra
européia, as dificuldades aumentaram para a população negra, desassistida, e trazia
12
sérias repercussões para a imagem do Brasil, uma vez que os jornais estampavam,
criticavam e denunciavam abertamente esta aberração.
É de se relatar que, nesta trajetória, os sindicatos e entidades sempre fizeram pressão
para que o Estado criasse políticas para a infância abandonada e pobre. Mas, só em 1920, a
situação das crianças se torna preocupação de ordem jurídica no Brasil. Assim, em 1923, a
Lei Orçamentária 4.242 autoriza serviços de assistência à infância abandonada e aos
delinqüentes. Neste mesmo ano, também é criado o Io Juízo de Menores no Brasil. E, mais
tarde, em 1927 o Código de Menores.
O Código de Menores, com um sistema dual no atendimento às crianças, atuava
especificamente sobre os chamados efeitos da ausência, que atribuía ao Estado a tutela
sobre o órfão, abandonado e a filhos de pais tidos como ausentes, o que tornava disponível
o seu direito de pátrio poder. A criança e o adolescente eram vistos como nascidos, mas não
provenientes de uma família, pois as crianças inseridas em família padrão e, socialmente,
aceitas, mereciam proteção do Código Civil Brasileiro (criado em 1916), tendo seus direitos
humanos reconhecidos. É importante ressaltar que as nomenclaturas usadas para identificar
diferentes casos ou situações dos que viviam desprovidos de direitos eram:
Expostos - para menores de 7 anos; Abandonados — para menores de 18 anos; Vadios —
para os atuais meninos de rua; Mendigos - para os que pediam esmolas ou vendiam coisas
nas ruas; Libertinos - para os que freqüentavam prostíbulos .
13
E havia, também, outros termos como transviado, infrator, delinqüente, etc. Todas estas
terminologias passaram a ser enquadradas como "situação irregular" no Código de Menores
de 1979.
Mas é nas décadas de 70 e 80 do século XX, quando surgiram entidades nãogovernamentais
com propostas progressistas, que começam a aparecer alternativas
comunitárias de atendimento aos meninos e meninas em situação de risco social.
Para Costa (1989, p. 46):
[...] com o início do processo de abertura democrática surge entre educadores e
trabalhadores sociais da área um movimento de educação progressista. O menino deixa
de ser visto como feixe de carências e passa a ser percebido como sujeito de sua história
e da história do seu povo, como um feixe de possibilidades abertas para o futuro. Agora
se pergunta o que ele é, o que ele sabe, o que ele traz e do que ele é capaz.
Em 1995, um novo grupo se volta para população das ruas, é o Movimento Nacional de
Meninos e Meninas de Rua, com intenção de agregar educadores sociais de rua e organizar
as crianças que estavam nas ruas.
Estas duas instâncias foram decisivas para criação de um movimento nacional em defesa
dos direitos das crianças, resultando na conquista do artigo 227 da Constituição Federal d e
1988, culminando na criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (EC A).
A criança e o adolescente são sujeitos, não mais "menores" da caracterização
estigmatizante do antigo Código de Menores, com absoluta prioridade, isto é, que devem
prevalecer em qualquer circunstância.
A proteção integral caracteriza-se como amparo completo, não só da criança e do
adolescente, sob o ponto de vista material e espiritual, como também sua salvaguarda desde
14
o momento da concepção, zelando pela assistência à saúde e bem-estar da gestante e da
família, natural ou substituta, da qual irá fazer parte.
Após esta síntese do que nos pareceu ser mais importante para o conhecimento era
relação ao desenvolvimento da cidadania no que se refere à criança e ao adolescente, vamos
para o maquinar do problema.
2. MAQUINANDO O PROBLEMA
O despertar pelo tema proposto começa no ano de 1995, quando assumimos a função de
educador de rua, em uma organização não-governamental o Centro Projeto Axé de Defesa
e Proteção à Criança e ao Adolescente, uma organização criada em junho de 1990 em
Salvador, que constitui a terceira maior cidade brasileira e tem uma população de cerca de
dois milhões e quinhentos mil habitantes, marcada por uma fortíssima presença negra, pela
influência da cultura afro-brasileira e pela enorme pobreza da maioria da sua população.
O Projeto Axé foi iniciado com o apoio político e legal do Movimento Nacional dos
Meninos e Meninas de Rua e com recursos financeiros da organização italiana de
cooperação com o Terceiro Mundo, a Terra Nova.
O Projeto tem uma denominação simbólica, associada aos negros (quase todos os
assistidos são negros e mestiços, pois há uma forte correlação entre pobreza e negritude em
Salvador). No candomblé, a palavra Axé significa o princípio, a força ou a energia que faz
crescer e que é transmitida a todos os seres da natureza, assegurando que todas as coisas
tenham um vir-a-ser.
15
Integrados ao movimento nacional em defesa da infância e da juventude marginalizadas
e às orientações que se expressam no Estatuto da Criança e do Adolescente os participantes
do Axé explicam a presença e o aumento de meninos e meninas de rua, não a partir da
visão tradicional da "situação irregular" ou do "abandono" de suas famílias, mas como uma
decorrência das condições estruturais da sociedade brasileira. Mais precisamente, da
divisão da sociedade entre um mundo personalizado, empresarial, de alta tecnologia, do
poder e dos direitos, e um mundo dos expropriados sem pão, sem trabalho e sem direitos,
cuja identidade se perde na multidão dos pobres.
O Projeto Axé acredita que as crianças sem escola e desprovidas dos seus direitos mais
elementares, são vítimas de um processo de exclusão extremado, que lhes deixa duas
marcas básicas: perdem a característica mais fundamental da infância, a capacidade de
sonhar e desejar, e se tomam crianças sem limites ou com limites diversos daqueles
necessários para uma convivência social adequada, na medida em que foram privados do
processo de educação necessário para perceber esses limites e internalizá-los.
A partir dessa perspectiva, o Projeto Axé procura desencadear um conjunto de ações
solidárias dos incluídos para com os excluídos, como meio de construção d e uma cidadania
mais abrangente e uma base ética para a vida social.
O Projeto Axé em sua proposta político-pedagógica, articula a proposta educacional d e
Piaget, as formulações de Emilia Ferreiro e a teoria educacional de Paulo Freire.
De Piaget, reconhecido epistemólogo suíço que estudou o processo d e conhecimento
discutindo a figura do sujeito epistêmico, que é universal e se concretiza através das
16
interações e trocas sociais, o Projeto Axé toma a formulação construtivista; o princípio de
que o educando é um sujeito de inteligência e de saber, dotado de uma estrutura capaz de
aprender conteúdos e construir novos conhecimentos.
De Emilia Ferreiro, educadora argentina, o projeto incorpora o processo de
alfabetização, que propõe uma mudança do eixo central da questão educacional latinoamericana
ante a fantástica evidência do fiacasso escolar. Diante dos alarmantes índices de
falência da educação, esta educadora propõe uma revolução, substituindo a pergunta de
"como se ensina" por "como se aprende", construindo a psicogênese da linguagem escrita e
rompendo as barreiras da pesquisa tradicional em educação.
A contribuição de Paulo Freire é a formulação teórica e a prática do projeto centra-se na
questão ética, entendida em seu sentido mais amplo, incluindo sua dimensão estética e
política. Na sua visão, o processo educativo deve promover a compreensão do mundo, a
integração social e, portanto, a emancipação do sujeito educando.
A essas noções e princípios, somam-se outras formulações inclusive de cunho
psicanalítico, que trata dos desejos do ser, daqueles que se relacionam com o saber, ao
conhecer, ao criar, ao se posicionar perante o mundo. Conforme a percepção do Projeto
Axé no processo de aprendizagem, entre aspectos afetivos, culturais e políticos, vinculados
às tramas sociais, educador e educando não se confundem com as figuras tradicionais d e
professor e estudante. Estão vinculados na verdade a um único e indivisível elo d e
cognoscência de afetividade, que recria o saber num espaço-tempo historicamente dado,
sendo enfim, sujeitos sociais.
17
A função de educador de rua, tem como objetivo, o resgate da criança e do adolescente
em situação de risco social, já que este se encontra em situação de extrema exclusão, fora
do convívio da família, da comunidade e da escola.
A presença dos educadores na rua é a superação dos enfoques repressivos, autoritários e
assistencialistas, e a afirmação da possibilidade de transformação de que se pode não só
educar essas crianças, mas também reinseri-las na sociedade.
Os educadores de rua, em um primeiro momento, atuam junto aos espaços onde estão as
crianças e os adolescentes em situação de riscos (praças centrais, ruas, becos) iniciando os
contatos com esses meninos, o que se denomina, paquera pedagógica-é um momento d e
estranhamentos, dúvidas, elucidações, quando se está disposto a construir um diálogo com
as crianças e os adolescentes, colocando-se como adulto referência naquele espaço. Tal
postura diferencia-se dos fatores sociais com os quais esses sujeitos normalmente têm
conflitos: policiais, traficantes, agentes, juizado de menores, homossexuais etc.
A partir de diálogo educador/educando, começa um jogo de sedução que implica
olhares, gestos, brincadeiras e jogos. A intenção do educador de rua não é retirar de forma
imediata as crianças e os adolescentes da situação de rua e, sim, construir um trabalho para
que eles mesmo mobilizem para sua própria saída.
Segundo Carvalho (1992, p. 108):
O diálogo pedagógico é a mola mestra do processo de educação de rua. A partir do
que nós conhecíamos da proposta de Paulo Freire, de uma educação dialógica,
sobretudo no que se refere aos espaços de sala daquele, nós fomos para a rua para
reinventar essa educação dialógica, na relação com os meninos de rua. Nós
investimos na crença de que a palavra seria o instrumento de trabalho, de que nós
começaríamos a desenvolver um trabalho onde iríamos ensinar ou construir com os
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meninos a possibilidade de expressão, através de uma outra linguagem que não fosse
o fazer, mas uma linguagem que fosse a fala, a expressão verbal.
Uma segunda etapa pedagógica da relação educador/educando é chamada de namoro
pedagógico quando se dá um processo de fortalecimento do vínculo.
Para Carvalho (1992, p. 110),
Os meninos querem alguém que seja diferente das outras pessoas, dos outros
referenciais de adulto que já estiveram com ele até agora Há alguma coisa dentro do
ser desse menino, como dentro da estrutura da possibilidade de qualquer pessoa, que
não foi corrompida, que não foi desestruturada, e que orienta os movimentos, no
mesmo sentido de alguém que, digamos, estaria com a sua situação humana, afetiva
mais organizada. Então, ele busca, na pessoa do educador, esse outro que é diferente.
Para o Projeto Axé, o namoro pedagógico é o momento privilegiado da construção de
um projeto de vida. É o momento em que o menino está sensível a determinados valores e
demandas como aprender a 1er e escrever, criando-se, então, oportunidades de curta
duração de retirada dos meninos do território da rua para espaços outros vinculados à
comunidade que os circunda.
A terceira etapa pedagógica denomina-se Aconchego Pedagógico - delineada quando o
menino já se encontra integrado às atividades pedagógicas do Axé, formulando um novo
projeto de vida, o que implica, normalmente, a saída da rua.
Quanto ao projeto educacional mais específico, aos poucos, às atividades de rua, vão-se
mesclando outras, em ambientes semi-abertos, até chegarem aos espaços institucionais.
Nesse processo, não há tempo definido. É o tempo do menino que norteia a transferência d o
espaço aberto para os semi-fechados, até chegar às instituições. A educação de rua s e
19
desdobra com a participação dos meninos e meninas nas oficinas pedagógicas, nas
atividades culturais do Projeto Erê (criança, em Iorubá) englobando a oficina de
instrumentos, a oficina de dança, música, capoeira, entre outras atividades, as oficinas de
estamparia, a oficina de moda, Modaxé, a oficina de papel reciclável. Todas essas oficinas
associam o lúdico à necessidade de ampliar a contemplação, reforçar a coordenação motora
e o equilíbrio emocional, permitindo a aquisição de formas novas de hábitos e
comportamentos.
A participação nessas atividades e a questão cultural são intensamente privilegiadas pelo
Axé enquanto dimensão integradora, considerando que as linguagens artísticas
desempenham um papel fundamental na recuperação da auto-estima e de um sentimento
comunitário nessas crianças, assim como um reordenamento pessoal capaz de fazer face à
experiência desagregadora da rua. Principalmente porque a forte influência africana que
caracteriza a formação e a cultura de Salvador, como já mencionado, marca profundamente
tanto o sistema de crenças quanto o universo lúdico dos meninos de rua.
As organizações não-governamentais têm sido objeto de estudos de vários estudiosos
que se reportam a existência e a relevância de um "terceiro setor" nas sociedades
contemporâneas, dotado de uma relativa autonomia e operando com racionalidade e formas
de atuação específicas em relação ao mercado e ao Estado. Se a esfera do mercado s e
orienta por uma racionalidade instrumental que visa ao lucro, segunda a lógica da
acumulação, e a esfera do Estado, por uma racionalidade instrumental de luta pelo poder
político, visando à hegemonia e ao controle de mecanismos de denominação, o terceiro
setor seria marcado por uma racionalidade que é, sobretudo, ética, valorativa e
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comunicativa. Com essa expressão, tem-se designado um conjunto de iniciativas nascidas
no âmbito da sociedade civil, de caráter particular mas com um sentido público, que vêm
atuando sobre questões sociais a partir de um estilo flexível e descentralizado de com um
apelo à consciência moral das pessoas, ressaltando valores como a fraternidade, a
solidariedade, a responsabilidade social, a participação e a cidadania.
Conforme já foi visto, a partir dos princípios de Piaget, Emilia Ferreiro e Paulo Freire, as
práticas adotadas pelo Projeto envolvem um conjunto complexo de procedimentos, os quais
perpassam tanto a esfera individual e personalizada quanto a dimensão coletiva, com suas
marcas e ritmos próprios. O reconhecimento dessas marcas e ritmos e o respeito aos garotos
como sujeitos da elaboração de saber crítico, promotor da sua autonomia e da sua
integração, têm-se revelado cruciais para a reconstrução de suas estruturas mental e
emocional e de suas identidades, viabilizando a busca de propostas concretas para a
superação dos problemas enfrentados por essas crianças e jovens e de sua extrema
exclusão.
Por outro lado, propondo-se a "uma reconstrução da solidariedade social" e se colocando
como "ponte entre excluídos e os integrados", o Axé também desenvolve uma ação perante
o conjunto da sociedade, objetivando a afirmação de princípios éticos e de cidadania, como
transformações na cultura, valores e atitudes em relação a infância e à adolescência
pauperizadas e marginalizadas, procurando despertar uma responsabilidade social para o
enfrentamento dos seus problemas, com ênfase naqueles contingentes que se encontram nas
ruas.
21
Diante desse contexto, construímos a nossa experiência como educador, percebendo que
grande parcela de crianças e adolescentes é de negros e pertencentes à periferia pobre de
Salvador-Bahia, e que, por ausência de estrutura nas suas comunidades, emigrara para
outros lugares em busca de "espaços saudáveis" como terminais Rodo-Aquo-Ferroviário e
bairros considerados nobres, em torno das quais giram atividades de lazer.
O Projeto Axé, com o apoio do Instituto Brasileiro de Análises Sociais, contou 15.743
mil meninos e meninas em condições de extrema pobreza nas ruas de Salvador (Centro
Projeto Axé,1993,p.l7) de onde, da forma que lhes fosse mais oportuna, tiravam seu
sustento.
Para Saboia (1993), a Região Metropolitana de Salvador (RMS) chegou ao final da
década passada com a pior distribuição de rendimentos do trabalho entre todas as regiões
metropolitanas do País, sendo que os 10% mais pobres só obtinham 0,6% da renda,
enquanto que os 10% mais ricos ficavam com 53,9%. Houve, entretanto, uma pequena
redução nos percentuais de pobreza - as pessoas pobres, pelo critério de 1-2 salários
mínimos iamiliares per capita, cairiam de 36,3% para 34,0% no mesmo período.
Segundo Silva (1999), os dados da Comissão de Justiça e Paz indicam que há, na Região
Metropolitana de Salvador, uma verdadeira guerra em que se mata mais do que se matou na
guerra da Iugoslávia através de 10.484 bombardeios, e que tanto chocou o mundo. Nesta
"guerra" da RMS, tanto os que morrem quanto os que matam são jovens trabalhadores,
negros(as) que moram nos bairros pobres da periferia.
22
Ressalta ainda que as relações de violência envolvem as relações sociais que começaram
a se estruturar, no Brasil, desde a sua inclusão na órbita do mercado mundial, dentro da
dinâmica do chamado Sistema Colonial, a partir de 1500, quando aqui chegaram os
portugueses. Os índios, que aqui viviam, e os africanos, trazidos e vendidos como escravos,
foram submetidos, pela explosão econômica e pela força física, às necessidades da
acumulação primitiva. Aos índios que resistissem à civilização recomendava-se o cativeiro
ou a morte. Dos cerca dos 5.000.000 que provavelmente existiam em 1500, hoje em dia
restam pouco mais de 300 mil. Os horrores da escravidão têm sido analisados por uma
vasta bibliografia. Se o Brasil começou na Bahia, a violência econômica e física também, e
ainda não se analisaram, com todo o rigor, as dimensões da violência econômica e física
contra os escravos e índios durante a economia açucareira no Nordeste. Aos escravos e
índios escravizados, para fugirem dessa situação, e se afirmarem como pessoas, já que eram
tratados como coisa, só restava a evasão ou o crime, ou seja, a fuga ou o assassinato de seu
senhor. Mesmo a camada intermediária de homens livres que se situavam entre os senhores
e os escravos, por sua dependência total dos senhores, era submetido a extrema violência
física e a exclusão social, ficando sua incorporação ao mercado de trabalho dependendo dos
períodos de expansão ou contração dos ciclos econômicos da economia brasileira, que,
como economia periférica, dependia da dinâmica do mercado exterior.
A expansão do capitalismo no Brasil pós-abolição da escravatura, vai-se dar, na Primeira
República, sob o signo do Pacto Oligárquico Coronelista. Pelo pacto, nos municípios, o s
chamados coronéis, ou seja, os proprietários de terras e de gente tinham carta branca para
agir, até na aplicação da justiça. As violentas disputas, inclusive pelas armas, entre o s
23
diferentes grupos coronelísticos e oligárquicos pelo controle do poder econômico e político
marcam a Primeira República no Brasil, e a Bahia vai-se caracterizar como uma das regiões
de maior violência desses grupos coronelísticos entre si e contra os trabalhadores, inclusive
num período de reestruturação econômica da região, pela decadência da economia
açucareira. O símbolo da violência na Bahia, neste período, é a guerra de Canudos.
No período pós-30 acelera-se a expansão capitalista, que tem seus momentos decisivos
sob a égide da ditadura do Estado Novo (1937-1945) e da Ditadura Militar (1964-1988),
que aceleraram a industrialização no Brasil, graças a uma brutal expropriação e exploração
dos trabalhadores no campo e nas cidades.
No Brasil, ocorreu uma das mais rápidas e violentas expropriações no campo, pois em
1960 quase 70% da população brasileira estava no campo, e hoje é de cerca de 30 %,
invertendo-se, em quarenta anos, a dinâmica populacional no Brasil. A violência econômica
e física deste processo comandado pelo Estado, proprietários de terra, grandes e modernas
empresas, grileiros e jagunços é bastante conhecida. Também são conhecidas a brutal
repressão e a violência física que as ditaduras usaram para conseguir impor esses processos
econômicos.
O fim do regime militar significou o aprofundamento da violência econômica, pois o
processo da globalização aumentou as desigualdades entre as nações e entre as pessoas.
Resolver conflitos e matar pela fome e pela força das armas é constitutivo do regime
capitalista de produção desde sua implantação no Brasil. Para Reich (1972), que procurou
entender a expansão do nazismo e fascismo, certas estruturas humanas médias derivam d e
24
determinadas organizações sociais, ou, para dizer de outro modo, cada organização social,
produz as estruturas de caráter de que necessita para existir". Assim como produz
mercadorias que atendem às necessidades materiais e espirituais dos seres humanos, a
organização social capitalista produz as violências materiais, físicas e simbólicas
necessárias à sua reprodução.
Com o crescimento da exclusão social, as crianças e os adolescentes das classes
populares fugindo da miséria e da violência física e simbólica, começam a ocupar as praças,
as sinaleiras, as ruas, abrigadas em prédios velhos a que se contrapõem sua aguçada
vitalidade e esperteza.
Para Espinheira (1998), não se deve estranhar o fato de ser a rua, os casarões antigos, os
becos da comunidade carentes o um lugar tornado necessário para a sobrevivência de todas
aqueles que não têm lugar próprio onde possa reproduzir sua sobrevivência. Em nossa
sociedade, e na maior parte das que conhecemos, há sempre arranjos familiares estruturados
em termos de consangüinidade, de parentesco. Mas há situações em que esses arranjos s e
deterioram ou simplesmente se desfazem como nos casos de morte ou desaparecimento,
fugas e abandono. Nestes casos, os mais frágeis são obrigados a recorrer a outras formas
para manter a vida e proporcionar-se a existência.
Quando analisamos a sociedade brasileira, vamos sempre encontrar a rua como lugar de
vadios e estigmatizante dos que nela se encontram, sem uma função socialmente
legitimada. Vagar pelas ruas, bater pernas nas ruas, rueiro etc. são ações e denominações
depreciativas. O "olho da rua", por exemplo, é o lugar extremo do abandono, daquele que
25
está desprovido de tudo e jogado ao desamparo no tempo coletivo do não pertencer, do nãolugar.
Segundo Espinheira (1998) a identidade pessoal só é possível quando reconhecida pelo
outro; e quando esse outro reconhece apenas a identidade "do desamparado" "do coitado"
ou "perigoso", o resultado é a estigmatização, ou seja, uma leitura distorcida do outro, que
encobre aquela que deseja ser reconhecida. O menino e a menina em situação de risco
social assim nomeados, são ladrões e prostitutas; são marginais e, dessa forma, devem ser
punidos, devem desaparecer do convívio aberto.
Cabe aqui citar Michel Foucault (1979, p. 132-133):
A partir do momento em que a capitalização pôs nas mãos das classes populares uma riqueza
investida em matéria- prima, máquinas e instrumentos , foi absolutamente necessário proteger
essa riqueza [...] daí esta formidável ofensiva de moralidade que incidiu sobre a população
do século XIX. Veja formidáveis campanhas de cristianização juntos aos operários que lugar
nesta época . Foi absolutamente necessário construir o povo como sujeito moral, portanto
separando-o da delinqüência, portanto separando nitidamente o grupo de delinqüentes,
mostrando como perigosos não apenas para os ricos, mas também para os pobres, mostrandoos
carregados de todos os vícios e responsáveis pelos maiores perigos[...]
Crianças e adolescentes de classes populares emigram para as ruas e nelas desenvolvem
mecanismos de sobrevivência. Transgressões e mendicância são formas de obtenção de
alimentos e bens de que necessitam, seja gorjetas ou objetos roubados para a realização de
necessidades, como a compra de drogas ou para outra finalidade qualquer.
Diante dessa realidade, na prática, o educador, utilizando o diálogo pedagógico aliado a
outros procedimentos, como atividades de letramento e sempre com atitude de escuta, vai
ajudando o educando a conhecer seus potenciais e despertando a ruptura com o ciclo
perverso da rua.
26
Após uma itinerância heróica junto às crianças e aos adolescentes, a partir de uma
conduta democrática e dialogai, estes são encaminhados/integrados às unidades educativas,
e logo depois às escolas públicas onde se pode observar que parte desses sujeitos se evade
ou tem uma conduta de indisciplina revelando "problemas de adaptação".
A escola acaba sendo um sistema de classificação dos indivíduos, contribuindo para
manter as desigualdades sociais. As crianças e os adolescentes em situação de risco social
vivem em uma realidade muito diferente da dos seus colegas de classe. Delas se exigem
comportamentos, atitudes e linguagem "adaptados" ao contexto escolar. Por outro lado, os
professores refletem e transmitem a vivência, os exemplos, os programas e os conteúdos
filtrados a partir dos valores e da cultura da sua classe social, sedimentando as diferenças.
Quando se penetra na prática pedagógica da escola, vamos perceber que não existe lugar
na sala de aula, especificamente, para as experiências e significados individuais, para os
ritmos diferenciados de apreensão do conteúdo escolar.
Como diz Luz (1996, p. 97),
[...] reduz o espaço e o tempo para o aluno, o objeto como: quadro de giz, carteiras
enfileiradas, cadernos, livros, caderneta de freqüência, testes, matérias, disciplinas, etc.
Além disso a forma de comportamento na sala de aula, em que o aluno prefere sentar
atrás[...] constituem-se numa defesa no sentido de não submeter-se a essa estrutura
europocêntrica de comunicação que denega e realça a sua autoridade própria.
Evidencia-se, então, uma prática educativa que nega as experiências instituintes
infantilizando estes sujeitos, sem lhes possibilitar uma aprendizagem enquanto processo d e
construção sócio cultural que se dá através de trocas entre os sujeitos e os objetos culturais.
A aprendizagem, assim, não ocorre pelo movimento de contradição entre o novo e o
27
estabelecido deixando de levar em consideração o movimento de ir e vir próprio do
processo, numa perspectiva dialética.
Segundo Freire (1998, p. 32 ),
A escola deve não só respeitar os saberes dos educandos das classes populares saberes
estes constituídos na prática comunitária, como também estabelecer uma necessária
intimidade entre os saberes curriculares fundamentais e as experiências q u e os alunos
têm como indivíduos.
Para Lopes (1993), é necessário, na proposta curricular, deixar a possibilidade de espaço
para os saberes populares legitimados, permitindo seu diálogo com os saberes científicos
em processo mútuo de questionamento.
Gauthier traz esta precisão (1996, p. 138):
A produção dos saberes como "científicos" pela academia não pode mais ignorar a
existência de contra-saberes nas classes e nos grupos marginalizados.
Segundo Ataíde (1993, p. 21), as crianças e adolescentes em situação d e risco...
São ao mesmo tempo vítimas de uma cruel e, muita vezes, dupla rejeição — da família e
da sociedade - e, submetidas a carências afetivas, culturais e materiais, terminam
levadas à delinqüência ou heróica luta que resulta em soluções originais de
sobrevivência e vida na formação de uma verdadeira cultura alternativa.
As crianças e os adolescentes em situação de risco social têm saberes próprios, saberes
dominados, ou seja, conforme escreve Foucault (1979, p. 170):
[...]uma série de saberes que tinham sido desqualificado como não competentes ou
insuficientes elaborados; saberes ingênuos, hierarquicamente inferiores, saberes
abaixo do nível requerido de conhecimento ou de cientificidade.
Diante dessas questões, faz-se necessário pensar/problematizar:
CAPITULO II
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
3O
1. REFLETINDO SOBRE ADOLESCÊNCIA
Segundo AYRES (1990) a produção científica sobre a adolescência, identifica que este
grupo vem se tomando preocupação da ciência enquanto dimensão específica da existência
humana há relativamente pouco tempo, tomando-se relevante na segunda metade de século
XX
No Final da década de 80 e início dos anos 90 presenciam na América Latina e Caribe, o
movimento de maior visibilidade no campo da saúde pública, no sentido de implantar e
implementar ações voltadas ao grupo de adolescentes.
Em 1988, o Ministério da Saúde (BRASIL, 1989), oficializou o programa do adolescente
e apresentou as bases programáticas do adolescente, considerando a importância
demográfica desse grupo (estimado em 23,4% da população do país, naquele ano) e sua
vulnerabilidade a determinados agravos de saúde, bem como as questões econômicas e
sociais - educação, cultura, trabalho, justiça, esporte, lazer e outras. Compreende-se que
está faixa etária caracteriza-se, principalmente, pela vulnerabilidade a questões ligadas ao
setor social. Legalmente crianças e adolescentes têm direitos assegurados, sendo dever do
Estado possibilitar o acesso a um nível de vida adequado a seu desenvolvimento físico,
mental, espiritual, moral e social.
A Organização Mundial de Saúde - OMS ( 1989,p.3) em seu relatório Debates
Técnicos sobre a Saúde dos Jovens, da 42a Assembléia Mundial de Saúde 1989, situa como
adolescente, a população compreendida entre dez e dezenove anos de idade e em sua
introdução define a adolescência como,
"... Um período de transição, no qual os jovens desenvolvem suas capacidades
experimentando novos tipo de comportamento. Ela representa uma encruzilhada na
31
vida, em que um caminho saudável para fase adulta poderá ser alcançado s e suas
necessidades de desenvolvimento e segurança forem atendidas, caso contrário um
padrão de comportamento nocivo poderá desenvolver-se com conseqüências negativas
para saúde e sobrevivência, a curto ou longo prazo".
Esta organização define, também, como características da adolescência: o crescimento e
o desenvolvimento; a busca de identidade e de independência; o desenvolvimento de um
marco de referência; a criatividade; a auto-estima; o juízo crítico; a sensibilidade; a
afetividade; a sexualidade e a educação. Assim, a adolescência como período de
exploração, de reconhecer o mundo interior e exterior, de busca de novas experiências o
que implica em um estilo de vida de risco. Os riscos são mais altos quando fatores como
contexto internacional, modos de produção, estrutura de valores socioculturais, meios de
comunicação de massa., que deveriam funcionar como positivos e protetores, terminam
atuando, muito mais, como fatores de risco.
Na perspectiva de uma abordagem que considera a adolescência como categoria
sociocultural, de origem histórica, encontramos Cavalcanti (1988,p.9-10) que expressa,
"olhando para o passado se evidencia, com surpresa, que há pouco mais de 3 0 0 anos,
ninguém fazia a menor menção ao período de vida que hoje chamamos adolescência. O
próprio conceito de infância era muito vago na antigüidade e, só no final Média, com o
aparecimento dos comerciantes como segmento de força sindical numérica e
qualitativamente importante, é que a iniSncia se caracterizou como um período de vida
diferente da idade adulta"
"... Nesse sentido, enquanto a sócio- gênese da infância está ligada à história da
burguesia, a sócio-gênese da adolescência é em termos históricos, um acontecimento
relativamente recente. Tem-se falado que a adolescência é uma invenção social que
teve lugar a partir do século XVIÏÏ. Em épocas anteriores, o indivíduo saía da infância
diretamente para idade adulta, sem nenhum período intermediário. Se a infância nasceu
com a burguesia, a adolescência foi gerada no bojo da revolução industrial. Seu
conceito é mais nítido na população urbana do que na população do campo e b em mais
caracterizado quanto maior for privilegiado da classe social a que pertence..."
Para este autor a adolescência seria destituída de caráter natural e universalizante. A
adolescência então precisaria ser pensada como um fenômeno sócio-cultural, vivenciada
32
de distintas formas, Como afirma Peres (1995.pl6) "a depender das condições
materiais/objetivas e subjetivas de existência de sujeitos sociais"
Peralva (1997) compreende que se há um caráter universal quanto à adolescência e a
juventude, dadas pelas transformações do indivíduo numa determinada faixa etária, nas
quais completa o seu desenvolvimento físico e enfrenta mudanças psicológicas, é muito
variada a forma como cada sociedade, em um tempo histórico determinado e, no seu
interior cada grupo social vai lidar e representar esse momento. Essa diversidade se
concretiza nas condições sociais (classes sociais), culturais (etnias, identidades religiosas,
valores) e também de gênero.
Melucci (1992) na perspectiva de compreender a adolescência e a juventude entende
que, existe uma seqüência temporal no curso da vida, cuja maturação biológica fez emergir
determinadas potencialidades. Mas essa seqüência não implica necessariamente uma
evolução linear, na qual ocorra uma complexidade crescente, com a substituição das feses
primitivas pela fase mais madura, ao contrário defende a idéia de que os fenômenos
evolutivos presentes nas mudanças dos ciclos vitais são fetos que dizem respeito a cada
momento da existência, fazendo das mudanças ou transformações uma característica
estável da vida do indivíduo.
Assim a adolescência não pode ser entendida como um tempo que termina, como a fase
da crise ou de trânsito entre a infância e a vida adulta, entendida como a meta última d a
maturidade. Mas representa o momento do início da juventude, um momento cujo o núcleo
central é constituído de mudanças do corpo, dos afetos, das referências sociais e
33
relacionais. Um momento que se vive de forma mais intensa um conjunto de
transformações que vão estar presentes de alguma modo ao longo da vida.
Mesmo considerando que o elemento sócio-cultural, influi com um determinismo
específico nas manifestações da adolescência, considera-se também que, concomitante a
este aspecto, há elementos psico-biólogico, que enquanto circunstância evolutiva acontece
em qualquer contexto ou parte do mundo. As considerações sobre o quanto os fatores
intrínsecos relacionados com a personalidade, determinam as diferentes manifestações do
comportamento leva-me a recorrer aos estudos de Aberastury, Knobel ( 1981) que
observam três lutos fundamentais na adolescência: o luto pelo corpo da criança, pela
identidade, pelo papel infantil, pelos pais da infância.
O luto pelo corpo da criança se dá a partir das modificações biológicas característica da
adolescência, quando, com uma mente ainda na infância, seu corpo vai se tornando adulto,
o que pode trazer-lhes conflitos de identidade e, conseqüentemente o luto pela dependência
infantil e ao mesmo tempo, não poder assumir a independência adulta, havendo um
fracasso de personificação, nascendo em compensação o fenômeno do grupo, onde o
adolescente sente-se mais seguro. Normalmente, o adolescente vai aceitando a perda do seu
corpo infantil, surgindo o luto pela infância.
Segundo Knobel (1981) a tendência grupai é um fenômeno que adquire uma
significação transcendental, pois o adolescente transfere ao grupo, a dependência que
anteriormente era mantida na estrutura familiar especificamente com os pais. Este é
entendido como uma etapa de transição necessária no mundo externo para alcançar a
34
individualização. O grupo apresenta-se ao indivíduo adolescente como um reforço
necessário para os aspectos mutáveis do ego que se produzem neste período da vida.
O adolescente identifica-se com determinado grupo e passa a dotar as regras do mesmo
como por exemplo, em relação às modas, vestimentas, costumes, linguagem, preferências
de todo os tipos etc. Assim como também em outro nível as atuações do grupo e de seus
integrantes representam à oposição as regras estabelecidas pelas figuras parentais, que
entendem como uma maneira ativa de determinar uma atividade diferente da do meio
familiar.
Os adolescentes se mostram maduros em alguns aspectos e paradoxalmente imaturos em
outros. Isto surge por um jogo de defesa que o mesmo encontra para lidar com a invasão
súbita e incontrolável de um novo esquema corporal que lhe modifica a s u a posição frente
ao mundo externo e o obriga a procurar novas convivência. O que aprendeu na sua relação
com a família e a adaptação social como criança, não lhe serve mais. I s to faz com que
tenha que significar o novo, o que traz mudanças em sua personalidade.
Segundo Aberastury,Knobel ( 1981) Geralmente, na elaboração dessas perdas, o
adolescente recorre a um processo de negação das mesmas, vivendo, ao rnesmo tempo, a
ambivalência d e permanecer no estágio infantil — a regressão - a necessidade de continuar
seu desenvolvimento - progressão - vivendo em outros momentos a digressão - que é
quando rompe os vínculos familiares e parte na busca de si, junto a outros que vivenciam o
mesmo processo. Os pais neste processo, tem que elaborar a perda submissão infantil dos
filhos, e o confronto com suas possibilidades de envelhecimento e morte, o que segundo os
autores dificulta ainda mais o processo de passagem do adolescente para idade adulta.
36
ou impotência frente à realidade externa. Isto obriga a recorrer ao pensamento e
fantasias para compensar as perdas que ocorrem dentro de si mesmo e que não podem
evitar.
• Crises religiosas: a preocupação metafísica pode emergir com grande intensidade,
como tentativas de soluções da angustia em que vive o ego, na busca de identificações
positivas e do confronto com a morte definitiva de uma parte do seu ego corporal. Por
outro lado, situações de frustrações muito intensas, por carência de boas relações ou
imagens parentais perseguidoras podem gerar processo de ateísmo com atitude
compensadora.
• deslocalização temporal: a adolescência implica em na dificuldade em distinguir
presente, passado e futuro, sendo possível dizer que nesta fase há certa deslocalização
temporal convertendo o tempo em presente e ativo, numa tentativa de controlá-lo. Se no
passado houve uma evolução e experiências positivas, a discriminação temporal é
facilitada, e o futuro conterá a identificação projetiva de um passado gratificante. Nos
casos contrários o adolescente passa a ter condutas depressivas, pois conceituar o tempo
é essencial à integração da identidade.
• evolução sexual desde o auto-erotismo até a heterossexualidade: atividade
masturbatória e o começo do exercício genital têm, nesta fase, mais um caráter
exploratório e preparatório do que um caráter procriativa, que só tem seu início na vida
adulta. É assim considerada um fenômeno normal na adolescência, permitindo etapas
para a personalidade e integrando seus órgãos genitais a todo conceito d e si mesmo.
37
• atitude social revindicatória: a juventude tem em si mesmo sentimento de mudança que
pode ser manejado para um ideal que permite modificar estruturas sociais coletivas,
surgindo assim grandes movimentos, que podem Ter conteúdo nobre para humanidade
ou canalizar-se para aspectos perniciosos e destrutivos.
• contradições sucessivas em todas as manifestações de conduta: neste período, não é
possível o adolescente Ter uma linha de conduta estável e coerente, pois sua
personalidade ainda se apresenta permeável, recebendo e projetando com intensidade,
dando-lhe uma conduta descrita como fugaz e transitória. São estas contradições que
vão facilitar a elaboração dos lutos típicos deste período.
• constantes flutuações do humor e do estado de ânimo: estes fenômenos são entendidos
como parte dos mecanismos de projeção e luto das perdas sentidas pelo adolescente e
que acompanham seu processo de identificação. O adolescente, nestes momentos, se
refugia em si mesmo, no seu mundo interno, preparando-se para a ação reelaborando
constantemente suas vivências.
• separação dos pais : uma das tarefes básicas do adolescente, que se dá concomitante à
formação da identidade, é a separação dos pais. Esta separação poderá dar-se num
despreendimento útil quando são boas as imagens parentais, com papéis bem definidos
e uma cena primária estável.
O autor não atribui todas as características da adolescência a sua mudança psicobiológica,
como se todo processo não estivesse ocorrendo no âmbito social. É correto
afirmar que as primeiras identificações são as que fazem com as figuras parentais, assim
como também não há duvidas de que o meio em que vive determinará novas possibilidades
38
de identificação, futuras aceitações de identificações parciais e incorporação de uma grande
quantidade de pautas sócio-culturais e econômica.
2. A ADOLESCÊNCIA E O RISCO SOCIAL
A história da violência do maltrato da criança e adolescente é tocada por diversas
referências literárias e históricas. Na obra Capitães de Areia de Amado (193 7,p, 10-11)
encontramos afirmações significativas,
" Eu queria que seu jornal mandasse uma pessoa ver o tal reformatório para ver com
são tratados os filhos dos pobres que têm a desgraça de cair nas mãos daqueles guardas
sem alma, [...] o menor que acontece pros filhos da gente é apanhar duas a três vezes ao
dia"
O processo de exclusão social demonstra uma sociedade desigual, onde a cidadania não
é um conceito uniforme para o conjunto de uma sociedade; existem diferenças quanto a s
condições existenciais de sobrevivência. Essa desigualdade aparece com nitidez no texto d e
Espinheira (1993p.3), quando assinala que:
Há crianças e adolescentes que são preparados para sociedade através da escola básica,
das aulas d e língua estrangeiras, de artes que praticam esporte e frequentam clubes.
Outros, bem numerosos, desde da tema idade têm de se dedicar aos trabalhos,
comprometidos com o orçamento domésticos [...]
O Problema da criança da e do adolescente adquiriu status de problema na ótica d o
Estado e suas instituições apenas quando a ação dessas passou a alterar a ordem instituída,
com a eclosão pública de situações extremas de violência geradas pelas condições limite d e
sobrevivência a q u e boa parte da população brasileira foi constrangida.
39
A população carente quando não atendidas em pelas políticas sociais básicas ou de
primeira linha : trabalho, educação, saúde, habitação, transporte e outros, resvalam para a
condição de subcidadãos ou cidadãos de segunda classe. Sua exposição à morte, à
degradação pessoal e social faz-nos incluí-los no universo das chamadas situações de risco.
Como bem define Costa ( 1989,p.38), " pessoas, famílias, comunidades privadas de acesso
a condição mínima de bem estar e de dignidade e bloqueadas, por isso mesmo, do social."
Além das questões sociais, existem elementos psico - biológicos que influem no
processo da adolescência implicando na mudança de personalidade, busca de novos
vínculos, conflitos no meio familiar, sendo a adolescência caracterizada como período
confuso, de contradições e ambivalência.
Diante das profundas mudanças biopsicossociais, os adolescentes se vêem envolvidos
em condutas de risco, reflexo de características particulares deste grupo, como as
particularidades psicológicas de sentimento de invulnerabilidade, associado a uma fase
egocêntrica e pensamento fantasioso. Tais conduta são mais comuns na adolescência, pois
representam uma tentativa de responder às novas exigências sociais, como uma
necessidade evolutiva de desenvolvimento e autonomia. Por isto não podem ser eliminadas
totalmente, já que muitas vezes são necessárias à afirmação do adolescente na sociedade.
Lerner e Galambos (1998) associam os comportamentos de "correr risco" a
determinadas características do adolescente, de experimentação e exploração, e qualificam
duas naturezas diversas de correr risco, presentes neste período: o risco normativo, que
estaria implícito no processo de adolescer e o comportamento de risco, que pode surgir de
40
forma crescente neste período, e permanecer na idade adulta, como a ingestão de substância
psicoativas, por exemplo.
Diante de uma realidade social extremamente contraditória e atrelados a um processo
caracterizado por transformação biológicas e psicológicas os adolescentes tornam-se
vulneráveis a certas condições e circunstâncias que podem trazer consequências
indesejáveis. Para Silber (1995,p.55O) o surgimento das condutas de risco na adolescência
está relacionada à "inabilidad dei adolescent joven de conceptualizar Ias consecuencias de
su comportamiento".
Sob o conceito de adolescentes em situação de risco social, estão meninos e meninas
expostos a ambientes violentos, muitas vezes dominados pelo tráfico de drogas, vítimas de
abuso e negligência ou exploração. A história de vida destas crianças inclui experiências
de abandono, privações, exploração e vida na rua.

A IMPORTÂNCIA DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR

A IMPORTÂNCIA DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR: A
VISÃO DOS ALUNOS E PROFESSORES DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFPB
Deyse Morgana das Neves Correia (1), Maria do Socorro Xavier Batista (3)

Este trabalho resulta de reflexões do projeto de Monitoria: A contribuição da Sociologia da Educação na formação de educadores no curso de Pedagogia da UFPB, e tem por objetivos:
identificar a importância da Sociologia da Educação (SE) na formação docente, analisar as obras clássicas da SE e sua importância e influência na prática educativa e identificar as concepções que os alunos e professores do curso de Pedagogia da UFPB têm da contribuição
desta disciplina para a formação do educador. Dentre os inúmeros enfoques sócioeducacionais discutidos na SE, abordamos os paradigmas clássicos do consenso e do conflito
representadas por Durkheim e Marx, as teorias críticoreprodutivistas
de Althusser, Establet &
Baudelot e Bordieu & Passeron. Para fazer um panorama da visão dos diversos sujeitos do
curso de Pedagogia sobre a formação de educadores, investigouse
através de questionários
aplicados com alunos ingressantes e préconcluintes
e com professores do Centro de
Educação da UFPB, a concepção destes sobre a influência da SE, seus conteúdos, autores e
temas na formação docente e na prática educativa. Esta pesquisa resultou na afirmação da
importância da SE para analisar a sociedade sob o prisma de vários olhares, compreender a
realidade sócioeducacional
e, assim, promover uma educação crítica transformadora.
Palavraschave:
Sociologia da Educação, formação docente, Pedagogia.
Introdução
Este texto é fruto das reflexões do projeto de Monitoria: A contribuição da Sociologia da
Educação na formação de educadores no curso de Pedagogia da UFPB, que tinha como
objetivos: contribuir para a capacitação discente através do aprofundamento do conhecimento
sociológico da educação em seus aspectos teóricometodológicos,
identificar a contribuição da
Sociologia da Educação (SE) na formação dos educadores sob a ótica dos alunos e de
professores. Para tanto, utilizamos os seguintes recursos: pesquisa bibliográfica, pesquisa em
rede, leitura e fichamento de obras clássicas, análise de documentos oficiais, aplicação de
questionário e análise de dados.
O texto discutirá inicialmente a discussão sobre a importância da Sociologia da
Educação e de seus teóricos para a formação docente, e, posteriormente, descreverá e
analisará os resultados da pesquisa realizada junto aos alunos ingressantes e préconcluintes
do curso de Pedagogia da UFPB e junto aos professores da disciplina Sociologia da Educação
e de outras disciplinas do curso.
1. A Importância da Sociologia da Educação no Curso de Pedagogia
A pedagogia é um campo de conhecimento interdisciplinar, aglutina contribuições de
vários campos de conhecimentos, especialmente das Ciências Humanas. Nesse sentido a
disciplina Sociologia da Educação, caracterizada como um olhar sociológico sobre o fato
educativo tem contribuído para fundamentação de diversas disciplinas que compõem o
currículo do curso e para a compreensão da realidade educacional no contexto da sociedade
brasileira o que tem justifica a sua presença na estrutura curricular dos cursos de pedagogia
desde o início desses cursos no Brasil.
Diversos autores (TURA, 2001; SILVA, 2003; SOUZA, 2003) discutem o papel que
Sociologia da Educação para uma compreensão crítica da realidade social, política, econômica
e cultura na qual a escola e a educação estão inseridas e contribui para uma formação de
educadores com uma visão crítica que possa formar indivíduos para compreenderem e
transformarem a realidade onde vivem.
A educação entendida como uma prática social que busca formar indivíduos para a vida em
sociedade deve proporcionar uma visão que os permita uma compreensão da sociedade em
todas as suas dimensões. Para tanto se torna necessário um currículo que em seus conteúdos
e em suas práticas possibilitem uma problematização e reflexão crítica das relações sociais,das
4CEDFEMT01
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(1) Monitor(a) bolsista(a) (3) Prof(a) Orientador(a)/Coordenador(a).
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relações de poder existentes na sociedade, pois como discute Bernstein, citado por Forquin
(1993, p.85):
O modo como uma sociedade seleciona, classifica, distribui, transmite e avalia os
saberes destinados ao ensino reflete a distribuição do poder em seu interior e a maneira
pela qual aí se encontra assegurado o controle social dos comportamentos individuais .
Embora o campo de conhecimento da Sociologia não garanta por si o compromisso de
promover uma educação crítica transformadora, pela sua especificidade de analisar a
sociedade sob o prisma de vários olhares que as diversas perspectivas analíticas ensejam já
possibilita uma ampliação da compreensão da realidade social e da educação como um
fenômeno fundamental na transmissão da herança cultural, dos modos de vida, das ideologias,
na formação para o trabalho que guarda uma estreita relação com a realidade em cada
contexto histórico. Daí a importância dessa disciplina no currículo dos cursos de formação de
educadores.
Alguns autores da Sociologia como Durkheim, Manheim, Parsons e Merton incluíram a
educação entre seus objetos de pesquisa e de reflexão teórica. Entre os marxistas destacamse
Althusser e Gramsci. No Brasil, Florestan Fernandes e Fernando Azevedo foram os
expoentes que tiveram a educação como foco de suas preocupações.
2. Marcos Teóricos da Sociologia da Educação
Dentre os inúmeros enfoques da sociedade e da educação, destacamse
os
paradigmas considerados clássicos que enfocam em suas análises o consenso ou o conflito,
correspondendo às correntes positivista/funcionalista e crítica/dialética originadas
respectivamente em Émile Durkheim e Karl Marx, que influenciam análises e pesquisas no
campo da Sociologia da Educação (SE).
O estudo dos autores considerados clássicos propicia o entendimento da sociedade
relacionada com a práxis educativa. Émile Durkheim é um marco no surgimento da Sociologia
como ciência e como disciplina. Além de ter contribuído para a definição do objeto e do método
sociológico, foi um dos pioneiros na inclusão da Sociologia no currículo acadêmico,
especificamente no curso de formação de professores, no qual lecionava. Destacase
na teoria
durkheimiana sua concepção de sociedade como um organismo composto por distintas
instituições que se complementam e se interpenetram, cada uma desempenhando uma função
e formando um todo homogêneo e consensual. Nesse arcabouço explicativo a educação ocupa
lugar central como um fato social, que contribui para a “socialização metódica das novas
gerações” (DURKHEIM, 1987, p.41) e para integrar os indivíduos na sociedade em que estão
inseridos, disseminando a consciência coletiva.
Vendo a educação com duplo aspecto, uno e múltiplo, como seus constituintes básicos
Durkheim (1967, p. 40) aponta suas principais funções:
Suscitar na criança: 1) um certo número de estados físicos e mentais, que a
sociedade a que pertença, considere como indispensáveis a todos os seus
membros; 2) certos estados físicos e mentais, que o grupo social particular
(casta, classe família, profissão) considere igualmente indispensáveis a todos
quantos o formem.
Ao tratar das relações entre o educador e a criança submetida à sua influência,
Durheim (1967, p. 5354)
defende que a criança fique “por condição natural, em estado de
passividade” e o educador assume uma posição de superioridade advinda da sua experiência,
sua cultura e da moral que ele encarna. Assim a ação educativa é entendida como um trabalho
de autoridade. A autoridade é o meio essencial da ação educativa. “A autoridade moral é a
qualidade essencial do educador”.
Essa concepção de educação e do papel do professor influenciou as práticas
pedagógicas adotadas no Brasil ao longo da história da educação e a atividade docente que
nela se realiza. Como pode se observar nas tendências pedagógicas analisadas por Libâneo
(1989), especialmente na sua vertente tradicional que tem no professor a figura central do
processo ensino aprendizagem, como detentor do domínio de conteúdos que devem ser
repassados aos educandos que devem se portar passivamente como receptores de conteúdos.
Prática docente denominada de “bancária” e enfaticamente criticada por Paulo Freire. As idéias
de Durkheim influenciaram vários autores destacandose
Fernando Azevedo e Anísio Teixeira
influentes educadores da escola nova.
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Noutra perspectiva, temos a teoria crítica fundamentada no materialismo histórico
dialético de Karl Marx, que influenciou todo o pensamento crítico em educação, começando
pelas idéias reprodutivistas de Althusser, Establet e Baudelot que ressaltaram a contribuição da
educação na reprodução das relações sociais de produção. A análise materialista histórica de
Marx vê a sociedade capitalista sob a perspectiva do conflito resultante das contradições
produzidas pela divisão da sociedade em classes sociais, definidas pela apropriação dos meios
de produção, demarcando uma classe detentora dos meios de produção e da riqueza que
advém do trabalho da classe trabalhadora.
Para Marx, a sociedade se estrutura por uma base constituída das forças produtivas e
das relações de produção, donde se originam as idéias, a política, a religião, o direito e a
filosofia que constituem a superestrutura. As relações de produção classistas são conflitivas e
contraditórias provocando constantemente crises que não encontram solução nos marcos da
sociedade burguesa. Assim, ele defende uma revolução liderada pelas classes trabalhadoras
para superar essa sociedade classista e a criação de uma sociedade onde não mais existiria a
exploração do homem pelo homem, culminando numa sociedade comunista, na qual os meios
de produção seriam coletivizados.
Marx não se deteve numa discussão sobre a educação, sua teoria se concentrou na
análise econômica, sociológica, histórica e filosófica, da sociedade capitalista, mas o
desdobramento de suas análises das relações de poder inerentes às relações classistas
produziu contribuições importantes para a compreensão da escola e da ação educativa.
Originadas da teoria marxista, surgem as concepções críticoreprodutivistas
de
Althusser (1983), Bourdieu e Passeron (1982), Establet e Baudelot (1971) que denunciavam o
caráter classista, excludente, ideológico e reprodutor das relações sociais de produção e
dominação da educação no sistema capitalista. Esses autores ressaltam a atuação da
educação escolar na reprodução das relações sociais de produção e de dominação. O primeiro
desvenda a atuação do Estado capitalista na reprodução das classes sociais, através dos
aparelhos repressivos e ideológicos que o compõem, e apresenta a escola como o principal
Aparelho Ideológico do Estado que atua essencialmente pela transmissão e inculcação da
ideologia, especialmente a ideologia que interessa à classe dominante. Uma vez que atua ao
longo de vários anos na preparação de crianças e jovens, transmitindo a ideologia da classe
dominante, recalcando e reprimindo uma ideologia orgânica à classe, ao mesmo tempo em que
proporciona a reprodução da submissão às normas da ordem vigente. Contribuindo dessa
forma para a reprodução das relações sociais de exploração (entre explorados e exploradores),
ao escamotear, esconder, dissimular as reais condições de exploração.
Antonio Gramsci, outro autor que bebeu da fonte sociológica marxista e desenvolveu
sua análise social e educacional partindo do pressuposto da existência de uma sociedade
conflituosa e contraditória, baseada em princípios capitalistas de exploração e submissão,
vincula a educação a uma estrutura de combate ideológico hegemônico e contrahegemônico
e
a considera um espaço pedagógico que funciona tanto como instrumento de dissimulação, a
serviço da classe dominante, quanto revela à classe dominada as contradições existentes,
permitindo a esta última reagir. A defesa de Gramsci definese
na utilização da escola como
centro de formação da consciência crítica e política para realizar uma mudança real da
estrutura social vigente.
Essas e outras diferentes concepções de sociedade e de educação permitem uma
análise de diversos temas tratados pela SE destacandose:
concepções de sociedade, de
educação, a relação entre educação e sociedade, as relações de poder na escola, as
determinações das políticas educacionais, a relação entre classes sociais e o acesso à
educação escolar, os fundamentos das tendências pedagógicas na prática escolar, questões
das realidades sociais e educacionais.
3. A Contribuição da Sociologia da Educação na Visão das (os) Alunas (os) Ingressantes
e PréConcluintes
do Curso de Pedagogia da UFPB
3.1. Visão das (os) Alunas (os) Ingressantes
As respostas aqui analisadas foram obtidas através da aplicação de um questionário
com 37 alunas (os) recém ingressantes no Curso de Pedagogia no período 2005.1 no turno da
noite, na disciplina Sociologia da Educação. Analisamse
neste item as concepções das (os)
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alunas (os) sobre a contribuição desta disciplina para a formação do educador e para a prática
docente.
Cerca de 64% das (os) alunas (os) responderam que não haviam até então, estudado
Sociologia e apenas 36,1% tiveram contato com essa disciplina, principalmente na escola
normal, o que evidencia a pouca presença da Sociologia no ensino médio.
Ao responderem sobre o que seria o objeto de estudo da Sociologia, os temas mais
citados foram: “cultura” (6,2%), “problemas sociais” (7,5 %), “concepções sociais” (9,2%),
“comportamento” (15,3%), “desenvolvimento social” (19,7%), “homem na sociedade” (20,4%),
“sociedade em geral“(20,4%), e “educação” (1,3%). Embora algumas respostas tenham sido
inconsistentes ou amplas, a maioria das respostas foi pertinente, enfatizando mais os aspectos
gerais da sociedade.
Devido ao pouco contato com a Sociologia no Ensino Médio, como já constatado
acima, quando questionados sobre o que a Sociologia da Educação estuda, as respostas
demonstraram pouco ou nenhum entendimento acerca dos conteúdos desta disciplina,
ocorrendo, inclusive, citações que abordavam conteúdos de Psicologia e também de
Economia. Mas, algumas menções apontadas em grande número são compatíveis com os
conteúdos trabalhados em SE. Dentre essas respostas, destacamse
temas como: “Políticas
educacionais”, “Problemas educacionais”, “Metodologia educacional”, “Relações interpessoais”
e “Correntes e conceitos”.
Tratando das contribuições da SE para a formação do educador e para a prática
docente foram apresentadas respostas relacionadas com o objetivo da disciplina: “o educador
se torna crítico e participativo”, “acrescendo conhecimentos ao professor”, “estudando a
sociedade”, “ampliando a ação do educador na sociedade” e “oferece subsídios para entender
o homem e suas relações com o mundo”. Estas respostas evidenciam uma relação intrínseca
entre a SE e a compreensão da sociedade, incluindo nesta relação uma outra, a existente entre
educação e sociedade, duas instâncias complementares e dependentes.
A concepção de que a SE contribui para tornar o educador crítico e participativo
corrobora uma visão compartilhada por muitos educadores no que se refere à contribuição da
Sociologia na formação de indivíduos. Isto pode ser confirmado em documentos oficiais e
textos como o de Sarandy (2001), ou em outras pesquisas como a de Silva (2003), a qual
defende que há um imaginário em torno da contribuição da Sociologia na formação dos jovens
no sentido de desenvolver um pensamento crítico e cidadão e, por conseqüência, a esperança
de constituição de um regime político democrático, na prática social, especificamente docente.
3.2. Visão das (os) Alunas (os) PréConcluintes
Os dados analisados a seguir pretendem suscitar a contribuição da disciplina
Sociologia da Educação na formação profissional do educador, de acordo com a concepção
das (os) alunas (os) préconcluintes
no Curso de Pedagogia, dos turnos matutino e noturno, no
período letivo de 2005.2, dos quais 23 colaboraram respondendo um questionário.
A distribuição percentual das (os) alunas (os) no tocante ao sexo demonstra a
majoritária presença feminina no Curso de Pedagogia (91,3%), o que confirma a feminização
da carreira do Magistério. A intrínseca relação entre a mulher e a educação das crianças é
evidenciada tradicionalmente pela atribuição de características naturalmente femininas
necessárias ao trato com as crianças: sensibilidade, afetividade, paciência, intuição, doçura.
Além disso, há uma ligação histórica, determinada numa sociedade patriarcal, entre a ação
educativa e a maternidade, trazendo as considerações de uma “tradição pedagógicamaterna”
a qual, segundo Costa (1995) apresenta o Magistério como o meio pelo qual a mulher
exerceria duplamente sua maternidade, na escola e no lar.
Todas (os) as (os) alunas (os) que se submeteram ao questionário, estavam cursando
o oitavo período, sendo que 52,2% no turno da manhã e 47,8% estudavam no período da noite.
Como a maioria das (os) alunas (os) também trabalha, 56,5% delas (es) direcionam sua
atividade profissional à carreira docente. Podemos constatar que o turno da tarde caracterizase
como sendo o período destinado às atividades profissionais destas (es) alunas (os).
Entre as (os) estudantes que trabalham, 53,8% o fazem em apenas uma escola, e
38,4% trabalha em mais de uma sendo 23,1% em duas escolas e 15,3% em três escolas, o
que dificulta o processo de aprendizagem dessas (es) alunas (as) pela falta de tempo para se
dedicar e aprofundar mais seus estudos. Estes dados mostram a difícil realidade vivenciada
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pelos docentes, caracterizada por uma baixa remuneração, que, em conseqüência, obriga o
profissional a se submeter a uma carga horária múltipla para conseguir o cumprimento de suas
obrigações com a família e o lar.
Um percentual considerável destas (es) estudantes (61,3%) possui tempo de serviço
na carreira docente entre 06 anos e 10 anos. Considerando que a maioria das (os) alunas (os)
encontramse
na faixa etária entre 26 e 30 anos, podese
constatar que estas (es) alunas (os)
iniciaram as atividades de docência em torno dos 20 anos de idade. Esses dados mostram que
quase todos esses profissionais assumiram a profissão sem que já tivessem uma formação
inicial adequada.
Quanto à categoria administrativa das escolas, a pesquisa registrou que 38% das (os)
alunas (os) trabalham em escolas privadas, enquanto que 62,5% das (os) alunas (os)
trabalham em escolas públicas. Dentre estas (es), 80% em escolas públicas municipais e 10%
em escolas estaduais.
Das 26 menções realizadas pelas (os) alunas (os) acerca da contribuição da disciplina
SE para a formação do educador no Curso de Pedagogia, destacamse
“conscientizar
professor do seu papel”, “formar consciência crítica”, “compreender a realidade social, cultural,
econômica e a cidadania”, “entender a relação entre educação, Estado e sociedade” e
“entender os paradigmas sociais”. Estas afirmações validam a relação existente entre a
sociedade e a educação, evidenciando também a importância da Sociologia da Educação no
entendimento e aprofundamento dessa relação.
Nas respostas à questão “Cite alguns conteúdos e/ou autores abordados na disciplina
SE no Curso que você mais gostou”, os autores mais citados (13 vezes), abordados na
disciplina Sociologia da Educação, foram Émile Durkheim e Karl Marx, os quais tiveram sua
idéias explicitadas acima.
Quanto aos destaques realizados pelas (os) alunas (os) acerca dos conteúdos
trabalhados em SE, podese
mencionar a relevância dos seguintes temas: “correntes
pedagógicas”, “valores sóciopolíticoeconômicos”,
“escola na sociedade capitalista”,
“aparelhos ideológicos do Estado” e “relações hegemônicas”. Estas últimas citações remetem
respectivamente, aos autores Louis Althusser e Antonio Gramsci, também destacados
anteriormente como autores importantes estudados na disciplina Sociologia da Educação
(citados 3 e 6 vezes, respectivamente).
Uma das questões solicitou às (aos) alunas (os) que avaliassem a contribuição dos
conteúdos de SE para sua formação como educador (a). Para tanto, foram listadas várias
alternativas de habilidades e competências para que fossem marcadas com P se contribuiu
Pouco, com R se Regular ou M se contribuiu Muito. Os itens que se destacaram na avaliação
das(os) alunas (os), como aqueles conteúdos da SE que contribuíram Muito para a formação
de educadores foram: “para compreender a relação entre educação e sociedade”, 69,5%;
65,2% deles destacou a contribuição “para construir uma sociedade justa e igualitária”, “para
compreender a relação entre professor e aluno”, “para formar um educador transformador” e
“para entender a escola como formadora de cidadãos”.
Estas respostas encontram eco na visão de educação de Freire (2000, p. 45) quando
afirma:
Me parece demasiado obvio que a educação de que precisamos, capaz de formar
pessoas críticas, de raciocínio rápido, com sentido do risco, curiosas, indagadoras não
pode ser a que exercita a memorização mecânica dos educandos. A que ‘treina’ em
lugar de formar. Não pode ser a que deposita conteúdos na cabeça ‘vazia’ dos
educandos, mas a que, pelo contrário, os desafia a pensar certo. Por isso é a que
coloca ao educador e a educadora a tarefa de, ensinando conteúdos ao educando
ensinalhes
pensar criticamente.
Essa concepção de educação numa perspectiva crítica não é unânime nas teorias
sociais nem na postura de todos os educadores. Pois essa compreensão não é compartilhada
pelos adeptos da pedagogia tradicional, que tem predominado nas escolas brasileiras.
4. A Contribuição da Sociologia da Educação na Visão dos Professores do Curso de
Pedagogia da UFPB
Esta pesquisa foi realizada com professores do Centro de Educação da UFPB que
ministram aulas das disciplinas de Didática, Sociologia da Educação, Economia da Educação,
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Estágio Supervisionado, Ética Profissional, Educação e Trabalho, Supervisão Escolar,
Fundamentos da Educação Especial e Métodos de Intervenção.
O perfil destes professores os encaixa na faixa etária adulta, permeando os
pesquisados entre as idades de 33 a 53 anos, sendo 66,7%, mulheres e 33,3%, professores do
sexo masculino.
Eles elencaram diversas contribuições da SE na formação dos educadores, dentre as
quais podemos destacar: “compreender o ato educativo como um ato social situado e
determinado por interesses e contingências, mas também possível de ser recriado, repensado,
transformado”; “estreitar a percepção da teoriaprática
de interrelação
entre sociedade e
educação e “pensar a escola para formar cidadãos aptos a se inserirem na sociedade de forma
critica”. Assim, podemos perceber a relevância da SE para cumprir o objetivo da educação
pretendida na concepção destes professores, uma compreensão de criticidade, de praticidade
e de transformação.
No que tange aos autores do pensamento sociológico que influenciam as perspectivas
analíticas da disciplina que eles ministram, estes professores apontaram em maior número os
clássicos da Sociologia da Educação: Karl Marx (citado 5 vezes), Émile Durkheim (citado 3
vezes) e Max Weber (vitado 3 vezes). Mas também consideraram que outros autores tratados
pela disciplina SE são imprescindíveis em suas disciplinas: Antonio Gramsci (citado 3 vezes),
Florestan Fernandes (citado 2 vezes), Pierre Bourdieu (citado 2 vezes), Michael Apple (citado 1
vez).
Uma das professoras expressou que os autores trabalhados na SE “influenciam no
sentido de fornecer ao aluno um panorama da diversidade de posições teóricas possíveis à
análise do fenômeno educativo”. Nesse sentido, percebese
a ligação estreita e de extrema
importância entre a Sociologia da Educação e as diversas disciplinas que compõem o curso de
formação de educadores.
Uma das questões solicitava aos professores que apontassem alguns conteúdos/temas
que em sua opinião são imprescindíveis na disciplina Sociologia da Educação. Dentre os
conteúdos e as temáticas sugeridas pelos professores consultados, podemos destacar: “a
escola hoje e sua organização no contexto brasileiro”, “o professor e seu papel na
transformação social”, “a escola como instituição social e seu papel na sociedade” e
“categorias teóricas do pensamento de Marx”. Ao enfatizar este último tema, uma professora
analisou a sua importância, “tendo em vista a forte influência das mesmas nos discursos (orais
e escritos) dos autores/pesquisadores da pedagogia e da educação”. Na visão desses
docentes esses temas contribuem para as demais disciplinas e para o objetivo geral de formar
educadores qualificados.
Como último questionamento foi requerido a estes professores que explicitassem a
qual corrente sociológica, cada um deles identificava a sua própria prática educativa. As
correntes clássicas da Sociologia (Racionalidade burocrática, Coesão social, Transformação
social e a Reprodução social) foram as mais apontadas pelos professores. Ao ponderar sobre
as correntes mais clássicas, uma das professoras, destacou o grande valor destas, “pela força
(...) que ainda possuem (apesar das diversas críticas) na explicação do fenômeno pedagógico”.
Considerações Finais
A união entre ensino e pesquisa foi bastante inovadora e contribuiu para melhorar o
ensino da disciplina Sociologia da Educação. Destacamos também a importância desse projeto
pela experiência de acompanhar de perto as rotinas da prática educativa do ensino superior, a
prática de pensar e elaborar planos de aula, a associação entre a teoria e a prática do
professor. Além disso, a vivência de participar de uma pesquisa, desde a leitura de textos que
fundamentam a temática em estudo, a elaboração dos instrumentos de coleta de dados da
pesquisa, na aplicação, na organização e análise dos dados, vivenciando os percalços e
dificuldades para se produzir.
Os resultados da pesquisa evidenciam a importância e a decorrente necessidade
indispensável das discussões teóricometodológicas
promovidas pela disciplina Sociologia da
Educação no currículo do Curso de Pedagogia com a finalidade de condicionar a formação de
profissionais da educação movidos pelo inconformismo, pela criticidade e pelo desejo de
transformação social/educacional.
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Referências
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos do Estado: notas sobre os aparelhos ideológicos
do estado (AIE). 3. ed., Rio de janeiro: Edições Graal, 1983.
COSTA, Marisa Cristina Vonaber. Trabalho Docente e Profissionalismo. Porto Alegre:
Sulina, 1995
DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. 7. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967.
ESTABLET, Roger; BAUDELOT, Christian. L’école capitaliste en France. Paris: Maspero, 1971
FORQUIN, JeanClaude.
Escola e Cultura: as bases sociais e epistemológicas do
conhecimento escolar. Porto alegre. Artes Médicas. 1993
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São
Paulo, UNESP,2000.
LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública. A pedagogia críticosocial
dos
conteúdos. São Paulo. Loyola. 1989.
SARANDY, Flávio Marcos Silva. Reflexões acerca do sentido da sociologia no Ensino
Médio. In: Revista espaço acadêmico. Ano I, n. 5, outubro de 2001. Disponível em:
http://www.espacoacademico.com.br/005/05sofia.htm. Acesso em 20/08/2005.
SILVA, Kelly Cristine Corrêa da. Os lugares da Sociologia na formação escolar de
estudantes do ensino médio: a perspectiva de professores. 26ª Reunião anual da ANPED,
Poços de Caldas, 2003. Disponível em: http://www.anped.org.br/inicio.html.

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